A tragédia de Clermont:  um conto mitológico baseado em fatos reais  


Aviso:  Esse não é um trabalho de historiador apesar de ser baseado em pesquisa historiográfica (a espécie de pesquisa que um historiador faz para escrever uma obra de historiografia).  O local onde os eventos se passam é uma cidade real da França,  2 dos personagens são indivíduos historicamente identificáveis e os outros são tipos também historicamente identificáveis. Porém nesse singelo conto a cidade é um símbolo e os personagens também.  Não são alegorias (representações de conceitos ou idéias), mas símbolos, de modo que o texto será mau interpretado se veres nas palavras conceitos. Chamei-o de conto (e não de narrativa) porque o ritmo é o ritmo do pretérito imperfeito.   E chamei de mitológico porque conta,  na linguagem do “realismo fantástico”,  a origem do que foi e é a situação de muitas comunidades humanas   


Nota:  Para escrever esse conto usei duas fontes (talvez) primárias que encontrei nesse sítio:  https://classes.bnf.fr/ema/anthologie/ville/2.htm). A confirmação da autenticidade do conteúdo dos 2 textos exigiria um trabalho de crítica externa do documento que é algo que está fora da minha área de competência.  


Começa o conto 


I   


O ano era o ano da graça do Senhor de 1198.  Os habitantes da cidade francesa de Clermont haviam solicitado do bispo uma carta de franquia para a cidade.  A resposta dada pelo prelado foi:       


Eu, Robert, pela graça de Deus, Bispo de Clermont, prometo de boa fé a todos os homens e mulheres de Clermont presentes e futuros que:


1) Não confiscarei as suas pessoas, nem as suas casas, nem os seus bens, nem permitirei que isso seja feito, exceto por motivo de homicídio, adultério ou homicídio, em que o homem ou a mulher esteja envolvido. Para os ladrões, seguiremos os “bons costumes” de Montferrand.


2) Se uma “reivindicação” for feita diante de nós vinda de um homem ou de uma mulher, ele primeiro nos dará títulos e testemunhas, se puder, ou caso contrário o homem ou a mulher jurará sobre os bens que terá na cidade.

3) Se eu ou um homem da minha casa tivermos briga com alguém, se ele não quiser dar segurança, será julgado em sua propriedade.

4) Prometo que todos os bens que serão mantidos em segurança em Clermont em tempos de paz ou em tempos de guerra não correrão nenhum perigo por nós ou pelos nossos homens, não serão apreendidos nem por quem os detém, nem por aquele com quem serão depositados, e quem os colocou lá, poderá retirá-los quando quiser.

5) Nem eu nem ninguém daremos salvo-conduto, na cidade ou vila, a qualquer homem que tenha roubado ou atacado um homem de Clermont, exceto com o consentimento da pessoa a quem ele foi prejudicado.

6) Finalmente, prometo a todos os presentes e futuros homens e mulheres de Clermont que manterei os “bons costumes” que os meus antepassados ​​herdaram dos seus antepassados; e se eu mesmo ou meus antecessores tiver alguma briga contra um homem ou uma mulher de Clermont, perdôo a todos a partir de hoje.

7) Prometo guardar todas essas cláusulas de boa fé e juro pelos santos evangelhos e nossos bayles também juram.

8)  E que eles me perdoem de bom coração se algum dia eu os falhei na fé, por motivos de terra ou dívidas.

9) E para que estas cláusulas sejam firmes e seguras, mandamos selar esta carta com o nosso selo e o do capítulo de Clermont.

Isto foi feito no ano da encarnação de Nosso Senhor 1198, no mês de maio, na oitava da Ascensão. 


II


Faltava, porém,  que o senhor local concordasse com a decisão do bispo.  Um ano depois,  o conde de Auvergne,  tendo conversado com pessoas que se diziam representantes dos cidadãos de Clermont,  também concedeu uma carta de autonomia a mesma cidade: 


“Que todos os presentes e futuros saibam que nós, cidadãos de Clermont, fizemos um acordo com o Conde Guy, segundo o qual ele manterá e prestará juramento pelos direitos e costumes que se seguem.

1) O conde não confiscará as nossas pessoas, nem as nossas casas, nem os nossos bens, nem permitirá que isso seja feito, exceto por motivo de homicídio, adultério ou homicídio. Para os ladrões, seguiremos os “bons costumes” de Montferrand.

2) Se a "reivindicação" (clamor) for feita antes da contagem, ele primeiro dará fianças e fiadores, se o culpado puder fazê-lo, ou caso contrário ele prestará juramento e depois de ter jurado não será obrigado a dar fianças e fiduciários, e será julgado pelos bens que possui na cidade.

3) Se o conde ou um homem de sua casa brigar com alguém, se não quiser dar fiança ou fiduciários, será julgado por seus bens, que, no entanto, não podem ser tomados ou apreendidos antes que a causa esteja totalmente encerrada.

4) Todos os bens que serão mantidos em segurança em Clermont em tempo de paz ou em tempo de guerra não correrão qualquer perigo por parte do conde ou dos seus homens, não serão apreendidos nem por quem os guardará, nem por aquele com quem serão depositados, e quem os colocou lá poderá retirá-los quando quiser.

5) Nem o conde nem qualquer outra pessoa em seu nome deve dar salvo-conduto para a cidade ou vila a qualquer homem que tenha roubado ou atacado um homem de Clermont, exceto com o consentimento da pessoa a quem foi prejudicado.

6) Se o conde tiver alguma disputa por si mesmo ou por parte de seus antecessores em relação a um homem ou mulher de Clermont, ele a esqueceu desde o dia deste ato.

 7) Se um homem ou mulher quiser sair de Clermont, deverá levar seus pertences no prazo de 40 dias. O conde fornecer-lhe-á salvo-conduto sempre que possível e garantirá que a paz reine sobre as suas casas e propriedades após a sua partida.

8) Ninguém de Clermont dará o pedágio ou o preço do salvo-conduto, mas o conde o fornecerá sempre que possível.

9) Se um homem ou uma mulher apresentar queixa contra outro homem ou mulher, pela denúncia deverá pagar 3 cêntimos; se for sangue, feito com espada ou de outra forma, o condenado será obrigado a pagar 60 soldos; e o julgamento será assim encerrado sem custos adicionais. Ninguém pertencente à família do conde poderá testemunhar contra um residente de Clermont

10) Os talhantes e padeiros do conde devem conceder crédito durante três meses, aceitando os penhores e fiadores que lhes sejam prestados, podendo no final dos três meses vender os bens depositados em penhor.

11) O conde prometeu manter todas essas cláusulas de boa fé e jurou sobre os santos evangelhos e fez com que os bayles que instalou em Clermont jurassem da mesma forma.

12) Ele mandou selar esta carta alfandegária com seu selo e o rei da França também prometeu selá-la.

Nós, Conde Guy, iremos protegê-lo contra todos os homens, exceto a lei e a fé dada ao Rei da França, porque ele mesmo prometeu nos proteger e defender contra todos, salva a fé do Rei da França.

Isto foi feito no ano da encarnação de Nosso Senhor 1199, no mês de setembro, durante o reinado de Filipe.


III


E assim a cidade de Clermont conquistou sua autonomia e sua independência em política econômica.  Tornou-se uma comuna.   




IV


Essa conquista foi planejada por pessoas que se diziam representantes dos cidadãos e que queriam que o burgo se tornasse uma comuna.  Por burgueses comunistas,  no sentido primeiro da palavra.  Porém,  depois que a cidade conquistou essa conquista começaram a aparecer claramente problemas entre seus habitantes.  Haviam ideólogos naquela época que,  partindo de uma má interpretação dos Evangelhos,  convenciam oficiais (operários) de guildas ou corporações de ofício  à desobediência com relação aos mestres, a revolta.  São os precursores da moderna teologia marxista da libertação.  A comunidade se desmembrou.  Depois,  muito tempo depois,  os burgueses comunistas que haviam feito um acordo com a Igreja através do bispo traíram a Igreja.  Separaram a comuna da Igreja.  Separada a cidade de sua Mãe e Mestra  no lugar do espírito de colaboração que leva o ser humano a ajudar o próximo em seu ofício,  cada um colaborando para que o outro seja bem-sucedido em seu trabalho,  para o bem comum,  surgiu o espírito de concorrência,  surgiu o capitalismo selvagem.    



Com o tempo já ninguém queria fazer negócio com ninguém.  Ninguém confiava em ninguém.   Haviam os administradores da cidade,  que guardavam num banco o tesouro público.  Passado muito tempo, quando ninguém mais confiava em ninguém, quando ninguém queria fazer negócio com ninguém,  ninguém queria comprar os produtos dos artesãos e dos comerciantes e dos mercadores esses se viram obrigados a pedir dinheiro do tesouro público,  em troca de trabalhar para a burguesia comunista. A mesma burguesia comunista que,  se dizendo representante dos cidadãos de Clermont, separou a cidade da Igreja sua Mãe e Mestra e desmembrou tal comunidade,  levando-a a seu fim trágico.  




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog