Convite à História da arte
Capítulo I: A pintura rupestre:
A palavra estilo vem de estilete, e quer dizer originalmente a maneira de estilizar, isto é, de usar o estilete. Depois que os pintores começaram a usar outros materiais diferentes do estilete para pintar, o nome se manteve e indica a maneira de fazer a pintura. Apesar de existirem os estilos individuais em história da arte costuma-se falar de estilos de época, que seria uma maneira comum de fazer pintura de pintores que viveram em certo período, assim por exemplo, o estilo de El Greco:
não é o mesmo que o de Caravaggio:
mas eles têm algo em comum ao qual se dá o nome de "estilo barroco", assim como em música Bach:
https://www.youtube.com/watch?v=QSgkeOwTVx8
e Vivaldi:
https://www.youtube.com/watch?v=GWZTyiMXulQ
têm, cada um, seu próprio estilo, mas por causa de certos elementos comuns são ambos classificados como compositores barrocos.
Por outro lado, se pode falar do estilo de uma civilização ou comunidade, por exemplo, da pintura egípcia ou da pintura de uma tribo indígena. Para mim é coisa para especialistas conhecer e descrever as mudanças de estilo de pintura numa mesma civilização. Por exemplo, no que a pintura do período arcaico da história da Grécia se distingue da pintura do período clássico. Ao invés de fazer isso usarei para facilitar a divisão da pintura em estilos de época a teoria, discutível, certamente, e talvez ultrapassada, de que em cada época houve um estilo destacado que corresponde a um tipo humano também destacado no período. Esse recurso irá facilitar a divisão e, como apesar de ser formado em História e ter feito duas disciplinas de história da arte não conheço a linguagem técnica para falar de pintura, falarei, a partir das minhas observações, usando uma linguagem que qualquer um poderia usar E começarei pela pintura rupestre, que são as pinturas feitas em paredes de cavernas.
Pintura: Estilos de época: A pintura rupestre:
É uma pintura rústica, primitiva, e que lembra a arte infantil. O primeiro exemplo parece ser de uma fase posterior ao do segundo. É notável a maior perfeição no desenho. A não ser que pensemos que com o tempo a arte do homem das cavernas decaiu em capacidade figurativa.
Existem muitas teorias do porque essas pinturas eram feitas, a mais conhecida delas é aquela que diz que era um tipo de mágica para conseguir capturar os animais na caçada, mas também podemos pensar que os homens das cavernas faziam essas pinturas porque, como diz Aristóteles, é natural ao ser humano o gosto de conhecer e que de todos os 5 sentidos aquele cuja atividade mais agrada ao ser humano é a visão (Metafísica, Livro I, capítulo 1). Assim, os homens das cavernas teriam feito essas pinturas para conhecer, das representações de animais teriam vindo os primeiros rudimentos da zoologia. Mas, por outro lado, é também natural ao ser humano o gosto de recordar de seus bons-sucessos. Assim sendo, as pinturas rupestres que representam cenas de caçada seriam posteriores a caçadas, como recordação, e não anteriores como um tipo de mágica.
Fontes:
Imagens do google
Vídeos do youtube
Memórias de leituras
Capítulo II: A pintura dos antigos sumérios
A metafísica, ensinava o professor Olavo de Carvalho, é a ciência que estuda as relações possíveis não no
pensamento e na linguagem como faz a lógica, mas na própria realidade. Uma dessas relações é quando aquele
que exerce um ofício domina esse ofício a ponto de poder prever o resultado do seu trabalho.
Essa relação entre um ofício e o domínio desse ofício a tal ponto do resultado do trabalho poder ser previsto é o
que chamamos de arte.
É por isso que podemos falar da arte do futebol:
assim como também podemos falar da arte da música, da arte da pintura, etc.
É verdade que às vezes a previsão não dá certo, por exemplo, quando um jogador de futebol pensa numa jogada e
a jogada não dá certo:
Mas o ser humano tem em si essa potência de dominar um ofício a ponto de poder prever o resultado do
trabalho e a realização dessa potência é o que chamamos de arte
Nas sociedades que não perderam o contato com suas origens o artista usa essa capacidade de prever o resultado
do seu trabalho para interpretar e expressar com segurança pensamentos e sentimentos coletivos. De tal modo que
o que ele interpreta e expressa é coletivo, mas a forma da expressão é pessoal, embora respeitando certos cânones.
Numa sociedade assim o artista é um intérprete de um tipo humano, de modo que podemos conhecer esse tipo
humano por meio da arte
No caso dos sumérios duas coisas chamam atenção em sua pintura: o gosto pelo pequeno e pela expressão do
movimento em pintura:
Essas características estão de acordo com a maneira como os sumérios quiserem se organizar como civilização e
testemunham a conturbada história da Suméria:
A civilização surge quando surgem as cidades. Uma cidade é uma associação, diz Aristóteles (Política, Livro I,
capítulo I), mas os primeiros seres humanos que resolveram se associar para formar uma cidade vinham do campo
e a cidade surgiu como extensão da vida no campo. Quer dizer, os primeiros que se associaram para formar uma
cidade eram proprietários rurais. Esses proprietários tinham propriedades rurais nas quais viviam mais de uma
família. Foram essas famílias que formaram as associações que foram as cidades sumerianas
Tais associações surgiram como extensões das propriedades rurais e pertenciam aos proprietários dessas terras.
Como os proprietários não estavam subordinados uns aos outros disso resultou que essas cidades ficaram como
cidades-estados. Quer dizer, cada cidade da Suméria era um pequeno país. Era como se Porto Alegre, São Paulo,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, fosse cada uma dessas cidades um país.
Mas as cidades da Suméria eram bem menores que essas grandes metrópoles brasileiras. A maior delas, a cidade de Ur, onde nasceu o patriarca Abraão (Gênesis 11, 26-31) , chegou a ter, no máximo, 60.000 habitantes:
Ruínas da cidade de Ur
O tipo humano que habitava essas cidades era um tipo humano de baixa estatura. Aquele tipo que parece sempre
agitado, sempre em movimento:
A julgar por esse tipo humano podemos concluir que a vida na Suméria era uma vida movimentada. E certamente era uma vida de muita invenção. A eles é dado o crédito da (quem sabe?) mais importante invenção da história humana, a escrita:
(tábua com caracteres em escrita cuneiforme, o tipo de escrita inventado pelos sumérios)
Essa inventividade dos sumérios, que além de inventarem a escrita, foram também poetas, astrônomos,
matemáticos, teóricos musicais, isso tudo à mais de 3000 anos antes do advento de Nosso Senhor Jesus Cristo,
nos primórdios da história da civilização, é causa de alguns adeptos da hipótese evolucionista, para não terem que
abandonar sua amada hipótese, pensarem que os sumerianos (ou sumérios) teriam tido contato com habitantes de
outro planeta que na mitologia suméria é chamado de Nibiru, o qual, segundo essa mesma mitologia, estaria
situado nos confins do sistema solar.
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A coisa não é séria, como se pode ver. Mas como tem gente que leva isso a sério é preciso dizer que a estória do
planeta Nibiru contada pelos sumérios é um exemplo de discurso poético. Isto é, fala o que não aconteceu para
falar de coisas que aconteceram. Pesquisas recentes mostraram que antes dos sumérios outro povo, chamado de
“ubaídas”, habitou a região onde os sumérios se estabeleceram, no sul do território do atual Iraque, antigamente
chamado Mesopotâmia, que quer dizer, “terra entre rios”, em grego:
(mapa mostrando a Mesopotâmia entre os rios Tigre e Eufrates)
Talvez, quando os primeiros mitográfos (escritores de mitos) sumérios quiseram falar da origem da Suméria
falaram desse povo, os ubíadas, usando analogias. Por eles serem um tipo humano estranho para os sumérios e
como na antiguidade qualquer pessoa que tivesse um conhecimento que outros não tinham era só por isso já
tratado como um deus ou uma deusa esses mitógrafos compararam os ubaídas com os anunnakis, que, na
mitologia suméria, são deuses vindos de um planeta fantástico, quer dizer, um planeta que só existia na cabeça
desses “historiadores”, assim como seus habitantes.
Para entendermos a inventividade suméria muito melhor é a explicação dada pelo Padre Teophile Moreaux, cujo
trabalho esclarecedor foi objeto de algumas postagens do (excelente) site “Ciência confirma a Igreja”.
Veja: https://cienciaconfirmaigreja.blogspot.com/search/label/Pe.%20Moreux.
Para resumir: Os sumérios não aprenderam as artes e as ciências com extraterrestres, mas porque Adão, que foi
criado pelo único Deus verdadeiro como um homem que conhecia todas as artes e todas as ciências, transmitiu
seus conhecimentos para a posteridade. Se aceitarmos como verdadeiros os resultados daquela pesquisa sobre a
povoação humana no sul do Iraque esses conhecimentos teriam sido passados aos sumérios pelos ubaídas que por
isso foram vistos pelos sumérios como deuses, e depois foi criada toda uma mitologia no qual poetas sumérios
falam desses primeiros habitantes da Mesopotâmia comparando-as com seres de um planeta fantástico.
Enfim, pequenas cidades-estados soberanas, mostrando assim um gosto pelo pequeno, pelo reduzido, uma vida
movimentada, e bastante inventividade, essas características do modo sumeriano de ser civilização é representada
na pintura e em toda a arte sumeriana. Elas ficarão mais claras quando as compararmos com a pintura egípcia,
que será o assunto do próximo capítulo.
Fontes e dicas de leitura:
Para contar sobre os sumérios minha principal fonte foi minha memória de coisas que li. Além disso, também:
A aula sobre a educação na Mesopotâmia da Confraria de Artes Liberais no Instituto Hugo de São Vitor:
https://www.artesliberais.com.br/
Aí você poderá ouvir uma interessantíssima explicação sobre a formação das cidades na “terra entre rios”.
Explicação que eu interpretei da minha maneira.
O capítulo sobre os sumérios do clássico “História da civilização” de Will Durant
O trecho sobre a música dos sumérios da “História universal da música”, de Roland de Candé
Alguns textos sobre os sumérios que se pode encontrar no Google
E alguns vídeos sobre os sumérios que se pode encontrar no youtube.
Observação: Não sou especialista em sumérios ou em Mesopotâmia e não quis fazer um trabalho de historiador, com pesquisa de fontes de primeira mão, mas quem se interessa por esse tipo de estudo e entende inglês e além disso sabe ler a escrita cuneiforme dos sumérios sugiro o site: https://sourcebooks.fordham.edu/ancient/asbook03.asp. Nele é possível encontrar algumas “fontes primárias” para o estudo da civilização sumeriana. Sugiro também que digite no Google “sumerian primary sources” e faça uma boa pesquisa.
Capítulo III: A pintura do Antigo Egito
No primeiro capítulo desse livro disse que iria fazer uso da teoria da existência dos tipos humanos que se
destacaram em cada época. Mas essa teoria tem que ser corrigida.
Na verdade, vemos que em cada época houve vários tipos humanos em contato uns com os outros.
O primeiro tipo humano e sua pintura de que nós falamos foram os sumérios.
Nesse capítulo falarei sobre os egípcios e sua pintura e arte
Se a pintura suméria se destaca pelo gosto pela expressão do movimento e a representação de figuras pequenas, na
pintura egípcia, assim como também na escultura, as figuras são de médio ou grande tamanho, e embora essa
pintura não exclua a expressão do movimento:
há uma certa “lei da frontalidade” pela qual as figuras são representadas estáticas, com o corpo de frente e o rosto
de perfil:
Mas, por que a pintura egípcia tem essas características? O tamanho das figuras humanas pode ser simples
representação de um tipo humano, mas e a lei da frontalidade?
Não é fácil saber, mas a falta de mobilidade dessas figuras estáticas, parece revelar o ideal de um tipo humano
imóvel. Não imóvel de atividades externas, mas imóvel interiormente.
Quer dizer, a lei da frontalidade que há nessas pinturas pode ser interpretada como representação do ideal da
quietude interior.
Esse mesmo ideal aparece nos textos de ou sobre os monges do deserto que viveram no Egito a partir do século
III d.C, dos quais o mais conhecido deles é Santo Antônio Abade, também conhecido como Santo Antônio, o
Grande, ou simplesmente Santo Antão:
Penso que aqui é um bom espaço para fazer alguns esclarecimentos respeito da relação entre o cristianismo e a
religião egípcia bem como as outras religiões pagãs.
A primeira delas é a diferença morfológica, e consequentemente, também semântica no uso da palavra Deus.
Chamo de diferença morfológica se uma palavra é usada como substantivo, adjetivo, verbo, etc. No caso do Deus
dos cristãos, essa palavra “Deus” é em primeiro lugar um substantivo. Um substantivo comum às três pessoas da
Santíssima Trindade. Já quando falamos de um deus pagão qualquer, por exemplo, de Apolo ou Atena, essa
palavra só é usada como adjetivo.
Coloco esse esclarecimento para deixar claro que há um erro pensar que a questão está simplesmente em saber
qual ser merece o adjetivo de Deus. A questão não é essa. A questão é: um deus pagão é chamado de deus como
substantivo ou como adjetivo? A resposta é: como adjetivo.
O segundo esclarecimento que julgo necessário fazer é que a palavra Deus na oração gramatical "Jesus Cristo é
Deus" não é um adjetivo, mas um substantivo; a Pessoa de Jesus Cristo é Deus por ser quem é.
O terceiro esclarecimento é sobre o lugar do cristianismo na história do ser humano. O cristianismo não surgiu para
colocar algo completamente novo, mas para aperfeiçoar. Porque o próprio Cristo disse “Eu não vim abolir a Lei e
os Profetas, vim aperfeiçoá-los” (São Mateus 5, 17).
Em geral isso é interpretado como se referindo a Lei e os Profetas dos livros do Antigo Testamento da Bíblia.
Mas a lei é também a consciência e, em qualquer lugar e tempo, quem antecipou palavras de Cristo e a vida dele,
preparando seres humanos para o cristianismo, é um profeta de Cristo.
Sócrates é um profeta do Cristo, porque pelo seu julgamento e morte antecipou o julgamento e morte do Cristo:
Platão é um profeta de Cristo quando no livro II do seu diálogo “A República” fala que num julgamento em que
fossem julgados um injusto que quer parecer justo e um justo que não está preocupado em parecer justo mas apenas
em ser justo, o justo seria crucificado.
Aristóteles também é um profeta do Cristo, porque antecipou um ensinamento do Cristo ao dizer no livro XII,
capítulo 7 de sua “Metafísica” que Deus é Vida eterna:
“Afirmamos (....) que Deus é um ser vivo, eterno, maximamente bom, e portanto a vida e uma contínua existência
eterna pertencem a Deus, pois é isso o que Deus é”.
Esses três filósofos gregos prepararam os gregos para o cristianismo. Também filósofos da tradição oriental
(confucionistas, taoístas, budistas) anteciparam ensinamentos de Nosso Senhor.
Isso porque o Cristo não veio para colocar algo completamente novo, mas para aperfeiçoar, e a religião que ele veio
trazer existe para levar o ser humano a perfeição, como diz a bela frase de Santo Tomás de Aquino: “ a graça não
destrói a natureza, mas a aperfeiçoa”.
Para isso o cristianismo pega a consciência humana e a aperfeiçoa. Pega o que o ser humano fez naturalmente e
sobrenaturalmente o leva a perfeição, eliminando erros e enganos.
Foi o que a aconteceu na história espiritual do Egito.
A pintura egípcia nos faz pensar que a religião egípcia era uma religião para a quietude interior.
Não é essa uma má finalidade, ao contrário, é uma boa meta, porque é também a finalidade dos monges do
deserto cristãos.
Mas os ritos que os egípcios faziam para chegar nesse estado não atingiam a meta.
Não é possível chegar a um estado de quietude interior quando se pensa em muitas coisas e é isso que acontece
com a pessoa que tem muitos deuses.
Ora, os egípcios eram politeístas, acreditavam em muitos deuses. Por isso não conseguiam atingir a meta que
parece ser representada na pintura egípcia:
A mesma meta aparece na escultura:
e na literatura egípcia encontramos uns versos de um poema que podem ser interpretado como uma alegoria do
estado de quietude interior. Os versos dizem:
“Quando a abraço e seus braços me enlaçam
é como estar na terra do incenso
Como quem carrega perfumes
Quando a beijo, seus lábios se abrem
E eu me embriago sem vinho”
Voltando a relação do cristianismo com os egípcios , foram os monges do deserto cristãos que ensinaram os
egípcios a atingirem essa meta.
Pegaram algo bom que havia na religião egípcia, que era justamente a finalidade da quietude interior, e
ensinaram aos egípcios a como chegarem à essa meta.
Enfim, essa pintura que através da representação de figuras estáticas comunica um ideal de quietude interior
é o extremo oposto do senso do ritmo e movimento que encontraremos no tema do próximo capítulo,
a pintura cretense.
Fontes:
Para falar dos egípcios e da pintura egípcia minha principal fonte foi a memória de que coisas que li e vi.
Além disso:
1) Imagens de pintura egípcia no Google Imagens
2O capítulo sobre os egípcios da obra “História da civilização” de Will Durant, mais particularmente
a parte que fala da literatura egípcia.
Observação: Assim como no capítulo sobre a pintura suméria também nesse não quis fazer um trabalho de
historiador, com pesquisa de fontes primárias. Para quem se interessa por esse tipo de estudo, entende
inglês, sabe ler ou tem vontade de aprender a ler hieróglifos egípcios recomendo que digite no Google
“Ancient Egypt primary sources” e faça uma boa pesquisa.
Capítula IV: A pintura da antiga civilização cretense
A pintura cretense, diferente da egípcia, é uma pintura ritmada, isto é, com ritmo vivo. Revela grande
capacidade de dar vida as figuras:
Chama a nossa atenção o fato das figuras protagonistas da maioria dessas pinturas serem mulheres:
Esse destaque dada a mulher na pintura cretense tem a ver com a religião-cretense: A principal divindade da
religião cretense não era um deus, mas uma deusa:
(imagem da deusa-mãe da religião cretense)
Olhando a pintura cretense ficamos com a impressão que o tipo humano que é representado nessa pintura, é um
tipo humano ágil, que gosta do movimento:
Parece que eram pessoas que tinham um certo gosto pelos esportes mais violentos, como a tourada e o pugilismo,
mas é uma pintura no qual o feminino tem destaque, e expressa graciosidade e leveza. Uma graciosidade e leveza
que também vemos na pintura de vasos grega, tema do próximo texto capítulo.
Fontes:
Imagens do google
Memórias de leituras
Capítulo V: A pintura em vasos na Antiga Grécia
A pintura de vasos grega lembra a música de Mozart:
Nela há graciosidade e leveza, mas há também sobriedade:
É um estilo que poderia ser chamado de clássico.
No entanto, para os historiadores especialistas em Grécia clássico é apenas um período da história grega, o período
dos grandes filósofos, Sócrates:
Platão:
e Aristóteles:
dos grandes autores do teatro grego, Ésquilo:
Eurípides:
e Sófocles:
na tragédia,
Aristófanes:
na comédia
Para a história do Ocidente porém toda a civilização grega é clássica por ser um modelos da civilização ocidental.
Cabe aqui falar um pouco sobre o nascimento do Ocidente enquanto civilização.
É comum dar a São Bento:
o título de “pai do Ocidente” e, se é assim o Ocidente começou romano, e não grego. São Bento trouxe para o
cristianismo o ideal de união de trabalho manual e vida intelectual que encontramos na obra do grande poeta
romano Virgílio:
autor do poema épico “Eneida” que trata da viagem de Enéias, herói troiano da Guerra de Tróia, para a Itália,
para fundar uma Nova Tróia a pedido de sua mãe simbólica, a deusa Vênus.
Mas um dos filhos espirituais de São Bento foi o Bem-Aventurado Alcuíno de Iorque:
que era algo como um ministro da cultura e educação do imperador Carlos, o Grande, também conhecido como
Carlos Magno:
Alcuíno tinha a idéia de fazer da cidade de Aix-La-Chapelle (chamada Aachen em alemão ou Aquisgrana em
português), capital do Império de Carlos Magno, uma “nova Atenas”, melhor que a da época dos filósofos,
porque iluminada não apenas com as sete artes liberais (gramática, retórica, lógica, aritmética, música, geometria,
astronomia):
mas também com os sete dons do Espírito Santo (temor filial a Deus, piedade, ciência, fortaleza, conselho,
inteligência, sabedoria):
Assim, se São Bento é o pai do Ocidente, o Bem-Aventurado Alcuíno é um dos seus filhos que assumiu a tarefa de
cuidar da criança.
Alguns leitores podem achar estranho isso, pois Alcuíno viveu uns 3 séculos depois de São Bento.
Mas é que o crescimento de uma civilização é muito mais demorado que o crescimento de uma pessoa.
Por isso 3 séculos depois do Ocidente ter sido gerado do matrimônio entre São Bento e a Igreja Católica, o filho
deles ainda estava na infância.
Muitos séculos depois, lá no final do século XVIII, quando houve a nefasta Revolução Francesa:
encontramos o Ocidente já na sua adolescência.
É o Ocidente rebelde contra seus pais.
Essa adolescência do Ocidente se prolonga até hoje.
Vai chegar o dia em que o Ocidente chegará a idade adulta e verá que seus pais tinham razão.
Mas, voltando a Grécia, vemos que em sua infância o Ocidente já foi colocado para aprender com os gregos.
Ainda hoje, vendo o tipo humano representado nessas pinturas em vasos, um tipo humano que é mentalmente
sóbrio e leve, vemos que a Grécia ainda tem muito a nos ensinar.
Uma pergunta que se pode fazer é: qual o segredo dessa amizade entre a sobriedade e a leveza que os gregos
conseguiram realizar?
Penso que é porque os gregos nunca tiveram essa atitude que vemos no Ocidente desde o século XVIII, de
contestação total da herança espiritual e intelectual do passado, atitude que gera ou a tensão de alguém que pensa
que tem que fazer tudo do zero ou ainda a frivolidade de alguém que desistiu de fazer qualquer coisa e só quer
se divertir.
Aprendamos com os gregos a valorizar a herança espiritual e intelectual do passado.
Herança que no Ocidente tem uma intérprete, que é a Igreja Católica.
Pois coube a Igreja Católica a tarefa de pegar a herança espiritual e intelectual do passado e interpretá-la para a
maior glória de Deus.
E a Igreja Católica por sua vez, também, nesse mesmo período medieval em que viveram São Bento,
o Bem-Aventurado Alcuíno e o Bem-Aventurado Carlos Magno, produziu obras-primas na pintura para a maior
glória de Deus e a salvação das almas.
São os estilos românico e gótico a respeito temas dos próximos capítulos.
Fontes:
Imagens do google
Memórias de leituras
Capítulo VI: A pintura medieval românica
O tema desse capítulo é a pintura medieval românica.
Na escrita desse capítulo limitei-me a colocar apenas o que fosse ao menos provável, isto é, possível de ser
submetido a prova, através da pesquisa em arquivos, museus ou bibliotecas, mas não necessariamente certo,
seguindo assim a teoria dos quatro discursos que meu saudoso professor Olavo de Carvalho encontrou na obra de
Aristóteles:
https://olavodecarvalho.org/aristoteles-em-nova-perspectiva-capitulo-i/
A História, enquanto reconstrução escrita da existência humana no Tempo, não é feita apenas de certezas, muito
do que os historiadores dizem ou disseram é apenas provável ou as vezes nem isso.
Afinal, se trata de uma reconstrução a partir de fontes que têm de ser interpretadas e a fidedignidade e veracidade
julgadas pelos historiador.
Além disso o leitor tem que ter meios de julgar, por si mesmo, a veracidade do que o historiador está dizendo.
É por causa disso que as obras dos historiadores vêm com notas no fim de cada página ou no fim do livro e é um
costume pensar que quanto mais notas o livro tem mais fidedigno ele é.
Porém julgo ser um erro julgar a veracidade de um trabalho em historiografia pela quantidade de notas no livro.
Feita essas ressalvas, vamos ao tema desse capítulo.
II
Segundo minhas pesquisas foi o arqueólogo francês Arcisse De Caumont o primeiro a usar, em sua obra
“História da arquitetura religiosa, civil e militar” (1824), o nome românico para o estilo artístico praticado na
Europa Ocidental a partir de uma época difícil de precisar mas provavelmente antes do Grande Cisma do Oriente
(1054), que separou os cristãos em cristãos católicos (que tem o bispo de Roma como chefe visível de todos os
cristãos e representante do Cristo na Terra), e cristãos ortodoxos (que tem os concílios de bispos como autoridade
máxima do cristianismo).
Digo provavelmente porque se compararmos a pintura românica com a bizantina pensaremos haver algo do estilo
bizantino no românico:
Parece que os pintores ocidentais foram buscar o ritmo do desenho de suas pinturas na pintura bizantina.
Como essa pintura era praticada no Império Bizantino, também chamado Império Romano do Oriente, isso
justifica chamar tal estilo de estilo românico.
No entanto, não foi por causa disso que De Caumont lhe deu o nome de românico, mas porque viu uma analogia
do surgimento desse estilo com o surgimento das línguas européias originadas do latim: assim como o latim se
arranjou com as línguas dos povos bárbaros (povos que viviam fora do Império Romano do Ocidente e não falavam
o latim) dando origem ao romeno, ao reto-romano falado na Suíça, ao francês, ao italiano, ao espanhol, ao galego,
e ao português, assim também o estilo bizantino se arranjou com estilos de povos bárbaros convertidos ao
cristianismo dando origem ao românico.
Esses estilos aparecem no românico como formas ou fórmulas que, arranjadas, constituem esse estilo.
A primeiras das formas é o colorido, caracterizado pela vivacidade, e que parece ter sua origem na arte carolíngia,
isto é a arte produzida na época de Carlos Magno, rei dos francos e imperador do Sacro Império Romano, e de seus
sucessores (800-987).
De fato, se compararmos o colorido da pintura românica com o das iluminuras de livros do período carolíngio
veremos o mesmo gosto pela vivacidade da cor:
(exemplo de pintura românica)
iluminura (ilustração) de uma Bíblia do século IX
Apenas com a diferença que no românico a cor é mais forte, o colorido mais austero e também mais rústico,
embora as lacunas no meu conhecimento não me permite dizer que essa é uma regra geral.
Continuando, a segunda das formas constituintes da pintura românica, que já vimos, é a forma bizantina ou quase
bizantina no ritmo do desenho.
No final do século X o desenho com ritmo bizantino ou quase bizantino e o colorido carolíngio se combinaram
num estilo conhecido como otoniano:
porque surgido durante o reinado de Oto I, primeiro imperador do Sacro Império Romano Germânico:
Finalmente temos a terceira forma constituinte do românico, que é a austeridade e rusticidade na pincelada,
característica que distingue o românico tanto do carolíngio como do otoniano
Tal rusticidade é símbolo de uma época rústica, em que a maioria da população na Europa Ocidental vivia no
campo.
Não quero, ao colocar a rusticidade como uma das qualidades da pintura românica, dizer que esse estilo só
aparece na região rural da Europa, mas apontar a relação desse estilo com sua época: à uma sociedade
predominantemente rural corresponde um estilo de pintura rústico, no qual as pinceladas são vigorosas assim
como a vida no campo exige vigor.
Porém o vigor da pintura românica está combinado com o gosto pela cor viva e com o ritmo estático ou quase
estático do desenho.
No final do século XI a reforma feita dentro da Ordem Beneditina por São Roberto de Molesmes, Santo Estevão
Harding e Santo Alberico:
(os três santos fundadores da Ordem Cisterciense. A esquerda Santo Alberico, a direita Santo Estevão Harding e no centro São Roberto de Molesmes):
e que deu origem a Ordem Cisterciense, trouxe para dentro da vida monástica o ideal do cavaleiro cristão:
(cavaleiros da Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, hoje chamada também Ordem de Malta)
pois era assim que esses três santos se viam, como cavaleiros que lutam contra o mal com orações e exercícios de
ascese.
E será o maior de todos os cistercienses, o grande São Bernardo de Claraval:
o primeiro a honrar a Virgem Maria com o título de Nossa Senhora, em francês "Notre-Dame", literalmente
"Nossa Dama", assim como os trovadores medievais tinham suas damas as quais dedicavam os seus versos:
Parece que essa atenção dada a mulher ensinou aos pintores a buscar a delicadeza na pincelada.
Mas essa época, final do século XI e começo do século XII, é também uma época de bastante movimento, como,
aliás mostra a historiadora francesa Regine Pernoud em seu excelente livro dedicado a vida e obra de Santa
Hildegarda de Bingen:
Como que querendo representar em figuras esse dinamismo da Europa pós reforma cisterciense os pintores já não
buscam mais imitar o ritmo estático do desenho da pintura bizantina, mas buscam a vivacidade também no
desenho. E a vivacidade do colorido já é diferente. É uma vivacidade que parece provir do uso da luz na pintura.
Pesquisando sobre como fazer o ritmo do desenho ser um ritmo vivo, como conseguir efeito de luz na cor e como
deixar o traço mais delicado, os pintores fizeram o estilo românico sofrer transformações até que esse se
transformasse no estilo gótico, tema do próximo capítulo.
Nota: Esses dois últimos parágrafos são apenas hipotéticos. Não pude, infelizmente, encontrar obras que tratam
de como se deu a transição do românico para o gótico. Para os que gostam de pesquisa em História, eis aí uma
boa sugestão.
Fontes:
- https://olavodecarvalho.org/aristoteles-em-nova-perspectiva-capitulo-i/
- o livro do monge cisterciense e historiador Robert Thomas sobre São Bernardo de Claraval publicado pelo
clube de leitores Minha Biblioteca Católica
- o livro da historiadora francesa Régine Pernoud sobre Santa Hildegarda. Também publicado pela Minha
Biblioteca Católica
- para descobrir o autor do nome “românico” contei com a ajuda do Google mesmo
- as imagens foram tirados do Google imagens
Capítulo VII: A pintura medieval gótica: 1a parte
É atribuída ao pintor e historiador italiano Giorgio Vasari (1511-1574) a honra de ter dado o nome “gótico”
ao estilo das mais belas catedrais já construídas.
O que encontrei, porém, nas minhas pesquisas, foi que Vasari em sua obra “Vida dos melhores arquitetos,
pintores e escultores italianos desde Cimabue até nossos tempos”, publicada pela primeira vez em 1550, chama
“tedesco” (germânico) a esse estilo que ele diz ser sem graça, sem desenho, e sem ordem.
Ele associa esse estilo a povos bárbaros germânicos que invadiram o Império Romano do Ocidente como os
ostrogodos e os visigodos (sobre as invasões bárbaras ver:
https://www.ricardocosta.com/artigo/do-fim-do-mundo-antigo-alta-idade-media).
No entanto não posso afirmar que tenha sido ele o primeiro a usar o nome gótico.
De qualquer forma se o gótico pode ser associado aos povos bárbaros germânicos parece ser mais apropriado
associá-lo aos francos, que foram os ancestrais dos franceses.
Isso porque o primeiro edifício gótico a ser concluído foi a Basílica de Saint Denis, situada na cidade de
Saint-Denis, a uns 6 km de distância de Paris:
(interior da basílica de Saint-Denis)
Esse grande edifício, onde estão enterrados os reis da França, fora construído inicialmente no século VII,
talvez em estilo galo-romano:
(teatro construído em estilo galo-romano)
depois, no século IX, recebeu uma cripta em estilo carolíngio:
(cripta da Basílica de Saint-Denis)
e foi reformada em estilo gótico sob a direção do monge Suger, abade de Saint-Denis, no século XII:
A pintura mostrada na imagem acima data do século XII. É notavelmente diferente do românico.
Aliás, a respeito desse estilo o dever da honestidade profissional me obriga a fazer uma correção.
Havia dito no capítulo anterior que o estilo românico foi praticado antes do Grande Cisma do Oriente (1054).
Porém data de cerca do ano 1080 uma obra chamada Tapeçaria de Bayeux,
feita em estilo românico, que ilustra momentos da conquista da Inglaterra feita pelos normandos, sob o comando
de Guilherme II da Normandia, em 1066.
E cerca de 10 anos depois foi escrito um tratado de pintura, de autor anônimo, escrito em latim, intitulado
“Sobre a arte de pintar”, do qual parece só ter restado um fragmento, que contém figuras em estilo românico e
que pode ser visto aqui: https://www.hs-augsburg.de/~harsch/Chronologia/Lspost11/DeArtePingendi/art_intr.html.
Nesse tempo, mais precisamente no ano de 1098, acontece o nascimento de Hildegarda de Bingen, santa católica,
abadessa beneditina, discípula e amiga de São Bernardo de Claraval, mística, escritora:
(Santa Hildegarda anotando uma de suas visões)
médica, poetisa e musicista:
Em seus escritos ela fala bastante sobre a realidade chamada luz e relaciona a realidade da luz com o
ensinamento central do cristianismo:
Jesus Cristo é o Verbo de Deus, Deus de Deus, Luz de Luz, como diz o Credo Niceno- Constantinopolitano
(aquele maior, que é rezado nas missas mais solenes) , que se fez humano e veio estar entre nós para que tivéssemos
a luz da vida, como diz o Evangelho:
“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (São Mateus 4, 16). E também:
“Eu vim como luz para o mundo para que todo aquele que crê em mim não ande nas trevas mas tenha a luz da vida” (São João 8, 12).
Os cristãos crêem que Jesus Cristo é Deus que assumiu para si um corpo humano verdadeiro e também uma alma
humana verdadeira.
Essa realidade é chamada de Encarnação do Verbo Divino e em seus escritos Santa Hildegarda liga essa realidade
com a realidade da luz que vem do céu.
Assim podemos dizer que essa santa é símbolo de uma Europa amiga da luz, encantada pela Luz.
Esse gosto pela luz, que é o traço mais marcante do período gótico da história européia, apareceu primeiro na
literatura, por exemplo, no Liber Scivias Domini (Livro do conhecimento do Senhor) que Hildegarda escreveu
entre 1141 a 1151. Depois apareceu na arquitetura, na reforma da Abadia de Saint-Denis, seguida pela construção
da Catedral de Sens:
(interior da Catedral de Sens)
a mais antiga catedral gótica.
Não estranhe o leitor de eu estar falando de literatura e arquitetura em um livro sobre pintura. Numa época em que
a maioria da população na Europa Ocidental e Central era analfabeta esses edifícios educavam o povo,
ensinando-lhe a religião católica. Além disso, talvez as maiores realizações dos pintores do estilo gótico sejam as
pinturas em vitrais. São deslumbrantes:
(Catedral de Notre-Dame de Paris)
(catedral de Chartres)
(catedral de Colônia)
No entanto a arte pictórica em estilo gótico não se limita as pinturas em vitrais. Há
também aquelas feitas nos chamados “Livros das Horas”, que eram livros que continham orações para serem
rezadas em certas horas do dia, em geral salmos, compondo o que se chama de Liturgia das Horas, que é a forma
de rezar típica dos monges, e que foi adaptada para seculares (pessoas que não vivem em mosteiros ou conventos
nem fazem parte do clero da Igreja Católica) a partir do século XIII.
(exemplo de ilustração em um "Livro das horas". As palavras em latim dizem:
"Abre, Senhor, os meus lábios, e a minha língua anunciará vossos louvores". É o início da oração das Matinas do
Ofício de Nossa Senhora. Trata-se de uma obra tardia no desenvolvimento do estilo gótico. É do século XV e o
livro parece ter pertencido a Jean de Lancastre, que foi o primeiro duque de Bedford, na Inglaterra. Encontra-se
preservado na Biblioteca Nacional do Reino Unido também chamada Biblioteca Britânica).
Olhando essas pinturas em vitrais e essas ilustrações em livros temos a impressão que os pintores quiseram
expressar a idéia da Luz que vem até nós. Não qualquer Luz, mas a Luz de Deus.
Daí vemos a ligação da pintura gótica com o mistério da vinda do Filho de Deus ao mundo. A pintura gótica é uma
expressão artística dessa verdade da fé cristã.
Uma pergunta que se pode fazer é: o que possibilitou uma arte assim? Pois é disso que irei tratar no próximo
capítulo desse livro.
Fontes utilizadas:
http://bepi1949.altervista.org/vasari/vasari00.htm
https://www.alloprof.qc.ca/fr/eleves/bv/histoire/l-art-gothique-notions-avancees-h1285
https://www.patrimoine-histoire.fr/P_Bourgogne/Sens/Sens-Saint-Etienne.htm
https://www.hs-augsburg.de/~harsch/saecp11.html
https://fr.wikipedia.org/wiki/Jean_de_Lancastre
O Ofício de Nossa Senhora traduzido para o português, publicado pela Editora Minha Biblioteca Católica
-O livro da historiadora francesa Régine Pernoud sobre Santa Hildegarda: Santa Hildegarda de Bingen: mística e
doutora da Igreja. A edição utilizada foi a da Minha Biblioteca Católica, com tradução de Roberto Mallet.
-Cartas de Santa Hildegarda. Também utilizei a edição da Minha Biblioteca Católica.
-O google imagens
-O Youtube
Capítulo VIII: A pintura medieval gótica: 2a parte
O gótico e suas origens
Não é fácil encontrar as causas do surgimento do estilo gótico nas artes. Mas alguns dados históricos podem nos ajudar. Irei colocá-los aqui na ordem em que os encontrei em minha pesquisa.
Em primeiro lugar temos a veneração exemplar de São Bernardo de Claraval a Santíssima Virgem Maria:
“Tu que compreendes o quanto, neste mundo passageiro, somos muito mais como
náufragos lançados de um lado para outro por tempestades e ondas do que como alguém
que anda em terra firme, não desvies o olhar para longe desta estrela, se tu não queres ser
oprimido pelas tempestades.
Se os ventos das tentações surgirem, se encontrares os rochedos das tribulações, olha para
a estrela, invoca Maria.
Se fores abatido pelas ondas do orgulho, da ambição, da maledicência, da rivalidade, olha
para a estrela, invoca Maria.
Se a ira ou avareza, ou desejos desordenados castigarem o navio de tua mente, olha para a
estrela, invoca Maria.
Se preocupado com o tamanho de teus crimes, confuso com a consciência de teu grande
erro, se aterrorizado pelo medo da justiça divina começas a ser engolido no abismo da
tristeza, pela voragem do desespero, pensa em Maria.
Nos perigos, nas angústias, nas incertezas pensa em Maria, invoca Maria. Que ela nunca
abandone os teus lábios, nem o teu coração; e para obteres a ajuda de sua oração, nunca
esqueças o exemplo de sua vida. Se a segues, não te podes desviar; se lhe rezas, não te
podes desesperar; se pensas nela não podes errar. Se ela te ampara, não cais; se ela te
protege, nada temes; se ela te guia, não te cansas; se ela te é propícia, alcançarás a meta… ”
Lembrai-vos, ó piedosíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer, que algum
daqueles que recorreram à vossa proteção, imploraram o vosso auxílio fosse por
vós desamparado. Animado, pois, eu com igual confiança, a vós, ó Virgem, entre
todas a singular, como a uma mãe recorro, de vós me valho, e gemendo sob o
peso dos meus pecados, prostro-me aos vossos pés. Não rejeiteis as minha súplicas,
Mãe do Filho de Deus humanado, mas dignai-vos de as ouvir propícia e de me
alcançar o que vos rogo. Amém.
(extraído do site: https://soutodoteumaria.com.br/olha-para-estrela-e-invoca-maria/
Na verdade, o século XII é um século mariano. Nele foram compostos alguns dos mais belos poemas e cânticos
dedicados a Virgem Maria. O Salve Regina:
o Ave Maris Stella:
a Ladainha de Nossa Senhora:
Parece que, como eu disse no texto sobre a pintura românica, os pintores começaram a dar mais atenção a mulher.
Mas não a qualquer mulher, mas a Mulher por excelência (São João 2, 4; 19, 26). Inspirados por São Bernardo
arquitetos, escultores e pintores quiseram agradar a sua Senhora, Nossa Senhora.
(acima 3 catedrais: As de Paris, de Reims, e de Chartres. Todas tem o nome de Notre-Dame- Nossa Senhora em
francês. Se São Bernardo foi o primeiro a chamar a Virgem Maria de Nossa Senhora, como diz a tradição, essas
catedrais são fruto da devoção mariana do grande abade cisterciense).
Não era uma forma nova de devoção a Virgem Maria, o próprio Cristo quis que a tivéssemos (São João 19, 25-27). São Bernardo a fortaleceu, numa época em que a cristandade mais precisava dela. Inspirados por ela os pintores buscaram a delicadeza. A delicadeza que traz luz vivificante, assim como a Santíssima Virgem Maria nos trouxe Jesus Cristo, que é a Luz da Vida.
Olhando para essas pinturas temos a impressão que nelas a luz vivifica:
(O nascimento de Jesus, quadro de Giotto)
E a luz parece surgir da delicadeza. A delicadeza traz a luz e a luz da vida à pintura. A Virgem trouxe o Cristo e o
Cristo nos dá a Vida Eterna.
Assim a primeira causa que encontrei para o surgimento do estilo gótico é o fortalecimento, através de
São Bernardo de Claraval, dessa forma de devoção a Virgem Maria, em que ela é venerada e servida como a
Nossa Senhora.
Como eu disse essa veneração não foi inventada por São Bernardo. O próprio Cristo, Nosso Senhor, quis que a
tivéssemos. E quis porque é Deus e sua Mãe, Mãe de Deus. Portanto, Nossa Senhora.
Na verdade, a veneração a Virgem Maria como Mãe de Deus e por isso Nossa Senhora surge como conseqüência
da fé na encarnação do Verbo divino, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Jesus Cristo é essa Pessoa que
assumiu para si uma alma e um corpo humano verdadeiros. Se “encarnou”. Tal verdade de fé nunca foi esquecida,
mas durante séculos nada houve que representasse uma ameaça a ela.
Porém, já na época de Santa Hildegarda (começo do século XII), a cristandade ocidental teve que enfrentar o
problema dos cátaros, uma seita maniqueísta que ensinava haver dois deuses, um bom, criador do mundo
espiritual, e um mau, criador do mundo material.
Com tal doutrina os cátaros não podiam aceitar o dogma central do cristianismo, isto é, a Encarnação do Verbo
divino. Pois, se para eles o mundo material é mau, eles não podiam aceitar que Deus tivesse assumido para si um
corpo humano de verdade.
No entanto o cristianismo ensina que o mundo da matéria, o mundo corpóreo, é bom, porque esse mundo também
tem em Deus a sua origem.
O problema é quando prestamos atenção de tal modo no mundo corpóreo e material que acabamos nos esquecendo
de Deus.
Mas para os cátaros esse mundo é mau em si mesmo.
Assim outra causa para o surgimento do estilo gótico foi que, diante da atitude dos cátaros, os cristãos quiseram
afirmar a verdade central do cristianismo através da arte. De uma arte que ensina que a Luz de Deus veio ao
mundo na carne, conforme as palavras de São João: “Todo aquele que confessa que o Cristo veio na carne, este é
alguém de Deus.” (1 São João 4, 2)
Mas há ainda uma terceira causa:
O final do século XI foi um tempo de renovação espiritual na Europa.
Tal renovação foi preparada desde o final do século X quando o duque Guilherme I da Aquitânia, dito “o Piedoso”
(875?-918) :
para obter perdão de seus pecados, doou para a Igreja terras que tinha em Cluny, no leste da França, para que
fosse fundada uma abadia de monges beneditinos:
Para aqueles que consideram as coisas com bom senso é evidente que a Divina
Providência aconselha os ricos a utilizar devidamente os bens que possuem de maneira
transitória, se desejam recompensa eterna (...) Por esta razão , eu, Guilherme, pela Graça
de Deus conde e duque, tendo ponderado estas coisas e desejando, enquanto é tempo,
tomar medidas para a minha salvação, achei justo e mesmo necessário dispor, para
proveito da minha alma, de algumas das possessões temporais que me foram concedidas
(...)
Portanto, a todos aqueles que vivem na unidade da fé e que imploram a misericórdia de
Cristo, a todos os que lhes sucederem e viverem até à consumação dos séculos, faço
saber que por amor de Deus e do nosso Salvador Jesus Cristo, dou e entrego aos santos
apóstolos Pedro e Paulo a vila de Cluny, que fica sobre o rio chamado Grosne, com as
suas terras e reserva senhorial, a capela dedicada em honra de Santa Maria Mãe de Deus
e de São Pedro Príncipe dos Apóstolos, com todas as coisas que pertencem a essa vila:
capelas, servos dos dois sexos, vinhas, campos, prados, florestas, águas e cursos de água,
moinhos, colheitas e rendas, terras lavradas e por lavrar, sem restrições (...)
Dou com a condição de que seja construído em Cluny um mosteiro regular, em honra
dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo; que aí formem uma congregação de monges
vivendo sob a regra de São Bento; que a possuam para sempre, detenham e governem,
de tal maneira que este venerável domicílio esteja incessantemente cheio de votos e
preces; que todos procurem nela, com o vivo desejo e um fervor íntimo, a doçura da
comunicação com o Céu e que as preces e súplicas sejam sem cessar daí dirigidas para
Deus, tanto por mim como por aquelas pessoas acima lembradas (...)
Foi de nosso agrado registar neste testamento que de este dia em diante os monges
unidos na congregação de Cluny fiquem por completo libertos do nosso poder, do dos
nossos parentes e da jurisdição da real grandeza, e nunca se submetam ao jugo de
qualquer poder terreno, nem ao de nenhum príncipe secular, conde ou bispo, nem ao
do pontífice da sé Romana, mas apenas a Deus... (citado em ESPINOSA, 1981: 284-285)
(extraído do site do professor Ricardo da Costa, medievalista e professor de história
da arte:
https://www.ricardocosta.com/artigo/cluny-jerusalem-celeste-encarnada-seculos-x-xii)
Guilherme escolheu São Bernão (850?-927) para que fosse o primeiro abade dessa instituição religiosa.
Os monges de Cluny foram responsáveis por uma benéfica reforma na Igreja e na sociedade da Europa Ocidental.
(ver: https://www.ricardocosta.com/artigo/cluny-jerusalem-celeste-encarnada-seculos-x-xii).
Enfim, ao chegarmos no final do século XI, vemos surgir novas ordens religiosas, os cistercienses, dos quais já
falei num texto anterior, os cartuxos:
(monges cartuxos com seu hábito branco)
cuja origem data do ano de 1084, tendo como iniciador São Bruno de Colônia (cerca de 1030-1101),
os premonstratenses fundados por São Norberto (entre 1080 a 1085- 1134):
e além acontece a importantíssima vinda dos carmelitas de Israel para a Europa no contexto das cruzadas, que
tiveram início nessa mesma época, mais precisamente no ano 1095, e que não foram agressões de cristãos contra
muçulmanos pacíficos, mas um ato de justiça, de acordo com a doutrina política de Santo Agostinho
(A cidade de Deus, livro XIX) e com as Sagradas Escrituras (Lucas 22, 31-38; Romanos 13, 1 -5), contra
violências que falsos muçulmanos cometiam contra cristãos.
Nos cistercienses e cartuxos, religiosos de vida contemplativa, temos a realidade histórica de uma Europa em
busca da Luz de Deus. Eles são símbolos dessa realidade.
E nos premonstratenses, religiosos dedicados a pregação e ao cuidado das almas, e também nas cruzadas, temos
um símbolo da Luz de Deus que veio até os necessitados dela, como diz o Evangelho: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a Boa-Nova aos
pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração
da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor." (São Lucas 4, 18-19)
Eis as condições espirituais para o surgimento de uma arte luminosa que busca representar tanto o
desejo do homem de elevar-se ao céu:
(exterior da catedral de Chartres)
como de receber a luz que vem do céu:
(interior da mesma catedral)
Houve também condições intelectuais e sociais: Haviam, certamente, lugares onde se aprendia e se praticava a
arte de pintar. Os mosteiros tinham um lugar chamado scriptorium:
(scriptorium de um mosteiro)
e era nos scriptoria (plural da palavra latina scriptorium) dos mosteiros que se produziam livros e onde monges
artistas produziam as iluminuras (ilustrações de livros):
(exemplo de iluminura)
(iluminura para a Primeira Epístola de São Paulo Apóstolo aos coríntios. O texto é o início da epístola)
(iluminura para um Missal. Obra do século XIV. Na Idade Média era comum as pessoas terem em casa livros
que continham o texto da Missa Católica. Ler o livro era uma maneira de participar da Missa quando não era
possível estar presente fisicamente na celebração)
É razoável pensar que os mosteiros também tinham escolas de pintura levando em conta a função educativa que
eles exerciam e exercem até hoje. Alguns têm escolas de pintura
(ver: https://www.transfiguracao.com.br/escola-sao-lucas-de-iconografia-russo-bizantina/) Como eles seguem uma tradição, é razoável pensar que os mosteiros medievais também tinham essas escolas.
Além disso, haviam as confrarias de pintores como também de outros ofícios, que depois se transformaram em
corporações, isto é, foram secularizadas, sendo abandonada a intenção original de fazer do trabalho um meio de
culto religioso que justificava o uso da palavra confraria e o costume de dar a cada confraria o nome do santo
padroeiro do ofício nela ensinado e praticado:
(trabalho numa confraria de pintores. O nome dado a essas confrarias era "Guilda de São Lucas" em
homenagem ao santo autor do terceiro dos 4 evangelhos canônicos e também padroeiro dos pintores. Segundo
a tradição foi ele quem pintou a primeira imagem da Virgem Maria).
É razoável pensar que foram em escolas de pintura situadas em mosteiros e nas oficinas das confrarias que os
pintores descobriram como deixar a pincelada mais delicada, como produzir efeito de luz na pintura, como dar
vivacidade as figuras.
Não podemos nos esquecer das condições políticas e econômicas: A construção de abadias, catedrais e igrejas e o
embelezamento delas com pinturas era algo de interesse público. O homem da Idade Média também era um
"animal político". Um ser interessado nas coisas da pólis, quer dizer, da cidade onde vivia, como, por exemplo,
a construção e embelezamento de edifícios sagrados.
Quer dizer, a construção desses edifícios e o embelezamento deles era um ato religioso, no qual o ser humano
participava da luta dos anjos contra os demônios, mas era também um ato político, no sentido de ser algo de
interesse público, de interesse da pólis, da cidade:
(imagem representando a construção de uma catedral na Idade Média)
Enfim, se certos indivíduos tiveram um papel decisivo, por trás desses indivíduos estão as tradições familiares
nas quais foram educados e as estruturas familiares que sustentaram suas ações. Guilherme, o Piedoso,
era descendente de São Guilherme de Orange (entre 750 a 755- entre 812 a 815):
primo de Carlos Magno (747-814) . Era de ascendência nobre e tinha na sua família a semente da religiosidade. São Bernardo, pertencia a alta nobreza da região da Borgonha, no leste da França, e era filho de Tescelin de Fontaine (cerca 1050-1117) , senhor do castelo de Fontaine:
(o senhor Tescelin de Fontaine junto com a esposa Aliete e o filho Bernardo)
com a senhora Aliete (cerca de 1070 + 1105) , que veio mais tarde a ser beatificada pela Igreja Católica:
Também era de ascendência nobre e também tinha na sua família a semente da religiosidade. Santa Hildegarda
era de uma família nobre da região do Palatinado, no sudoeste do território da atual Alemanha
(na época parte do Sacro Império Romano Germânico) e foi ainda pequena levada a um mosteiro de monjas
beneditinas para ser educada lá:
(ruínas do mosteiro de Desindenborg onde Santa Hildegarda foi educada)
E, finalmente, antes de tudo temos a graça providencial de Deus que se manifesta tanto no auxílio dos anjos
bons como nas tentações dos demônios:
(O Juízo Final, obra do Beato Fra Angelico)
, tentações que só são permitidas por Deus para o fortalecimento daqueles que as sofrem.
Depois temos as tradições e estruturas familiares. E não só de famílias da nobreza, mas também de famílias
de camponeses , de artistas ou artesãos, de comerciantes e mercadores, isso sem falar das ordens religiosas,
que são famílias espirituais. Todos esses, com os talentos recebidos (São Mateus 25, 14-28; São Lucas 19, 11-28)
contribuíram para a beleza do gótico.
A graça providencial de Deus, as estruturas e tradições de família, o gênio de certos indivíduos, o zelo religioso
e o interesse público de que fossem realizadas obras que expressassem o dogma católico da Encarnação do
Verbo divino diante do erro dos cátaros, a existência de lugares onde se aprendia a arte de pintura e se
exploravam as possibilidades dessa arte, eis as causas que pude encontrar para o surgimento do estilo gótico.
No próximo capítulo continuarei dirigiremos nossos olhares para as escolas (tradições) de pintura da Idade Média
e para a passagem do gótico para o renascimento.
Fontes usadas:
As fontes usadas não indicam uma escolha teórica e muito menos ideológica do autor. Significam simplesmente
que julguei que para certas informações é possível confiar em tais fontes (o que não significa que eu as endosse
completamente). Queria poder basear todas as informações naquilo que na Ciência Histórica se costuma chamar
fontes primárias e que eu prefiro chamar fontes de época ou fontes contemporâneas. Como isso não foi
sempre possível me impus como dever ser honesto na citação das fontes. É importante notar que algumas delas,
mesmo que não sejam muito confiáveis em si mesmas, podem nos levar para aquelas que são. Eis então a lista
das fontes usadas para esse texto:
O Google tradutor
O Google imagens
O youtube
A respeito das guildas medievais um bom material é possível encontrar com as seguintes pesquisas:
Para os que lêem inglês: brotherhoods of work in middle ages
Para os que lêem francês: confréries du labour au moyen age
Para os que lêem italiano: fratellanza di lavoro nel medioevo
Para os que lêem espanhol: gremios del trabajo en edad media
Para os que lêem alemão: bruderschaft von arbeit im mittlealter
Além do que pude colher dessas pesquisas também usei como fontes o livro da historiadora francesa
Regine Pernoud “Luz da Idade Média” (https://portalconservador.com/livros/Regine-Pernoud-Luz-Sobre-a-Idade-Media.pdf) e o livro do historiador francês Jacques Le Goff “O apogeu da cidade medieval”,
Para conhecimento das datas colocadas no texto e outros fatos e eventos usei as seguintes fontes:
Para São Bernardo de Claraval: A principal obra para o conhecimento da vida de São Bernardo é a
Vita Bernardi escrita por Guilherme de Saint Thierry. O manuscrito foi digitalizado e pode ser lido aqui:
http://www5.kb.dk/permalink/2006/manus/53/eng/1+recto/?var=1
Para Guilherme, o Piedoso: Não pude encontrar, infelizmente, fontes de época que informem as datas
de nascimento e morte de Guilherme, o Piedoso, muito embora tenha pesquisado nas obras dos
cronistas franceses medievais (https://fr.wikipedia.org/wiki/Cat%C3%A9gorie:Chroniqueur_fran%C3%A7ais_du_Moyen_%C3%82ge), nos arquivos de Auvergne (https://www.archivesdepartementales.puy-de-dome.fr/) , de Macon (https://archives.macon.fr/4DCGI/Web_Custompage/Inventaireancien.shtm/ILUMP18107), do Limousin (https://archives.haute-vienne.fr/) e da Aquitaine (https://lannuaire.service-public.fr/navigation/nouvelle-aquitaine/ad), e da Provence (https://www.archives13.fr/archive/recherche/anciennes/n:258) disponíveis na Internet. Não tendo podido encontrar as fontes de época que gostaria de usar, usei como
referência as seguintes:
O site da Secretaria de Turismo de Cluny: https://www.cluny-tourisme.com/Guillaume-Le-Pieux.html?lang=fr
E também os sites:
http://francegenealogie.free.fr/PhpGedView/family.php?famid=F2814&ged=Les_rois_de_France2.ged
https://fmg.ac/Projects/MedLands/AQUITAINE.htm
http://excerpts.numilog.com/books/9782860430012.pdf
http://theses.univ-lyon2.fr/documents/getpart.php?id=lyon2.2010.rollier_g&part=364311
Para São Bernão:
https://www.heiligenlexikon.de/ASJanuar/Berno_von_Cluny.html
https://www.monestirs.cat/monst/monestir/pers/fulls/cberno.htm
https://fr.wikipedia.org/wiki/Bernon_(abb%C3%A9_de_Cluny)
https://www.cairn.info/etudes-clunisiennes--9782708406810-page-161.htm
https://www.universalis.fr/encyclopedie/bernon-de-cluny/#i_0
- https://nominis.cef.fr/contenus/saint/420/Saint-Bernon-de-Cluny.html
Para São Guilherme de Orange:
https://gw.geneanet.org/yvesdemenorval?lang=en&n=de+gellone&oc=0&p=guillaume
https://fr.wikipedia.org/wiki/Guillaume_de_Gellone
Para São Bruno: https://chartreux.org/moines/saint-bruno/
Para São Norberto: https://www.geschichtsquellen.de/autor/5714
Para Carlos Magno: https://www.hs-augsburg.de/~harsch/Chronologia/Lspost08/CarolusMagnus/kar_intr.html
Para Tescelin de Fontaine, pai de São Bernardo: http://www.fontainelesdijon.fr/fr/culture-patrimoine/patrimoine/lhistoire-de-fontaine
Para a Beata Aliete, mãe de São Bernardo: https://nominis.cef.fr/contenus/saint/9929/Bienheureuse-Alethe-de-Montbard.html
Para a Reforma de Cluny: https://www.ricardocosta.com/artigo/cluny-jerusalem-celeste-encarnada-seculos-x-xii
https://clermont.catholique.fr/histoire-de-la-vie-religieuse-en-auvergne/
Para as iluminuras medievais:
https://biblioteca.pucrs.br/curiosidades-literarias/o-que-sao-iluminuras/
https://ensinarhistoria.com.br/iluminuras-medievais/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Iluminura
Capítulo IX: As escolas de pintura no Gótico e no Pré-Renascimento
Nota: Não tendo material necessário para poder escrever algo original sobre as escolas de pintura no gótico e na passagem do Gótico para o Renascimento o que eu ofereço aqui para o leitor é uma interpretação simplificada daquilo que vai escrito no clássico “História da arte” do professor Gombrich. Ao final do texto indico as fontes que usei para fazer minha interpretação. Boa leitura.
1. Mentalidade religiosa e produção artística na Europa Pré-Reforma Protestante:
Na Europa anterior a Reforma Protestante existiam duas maneiras de viver o catolicismo. Uma era um
catolicismo em o que se buscava era a austeridade, com uma ênfase nos exercícios de ascese tendo em vista
o desapego de tudo, necessário para a união com Cristo. O outro era um catolicismo cuja ênfase estava nos
exercícios de recolhimento, de concentração para estar na presença de Deus e alcançar a paz perfeita.
Ambos os catolicismos tinham conceitos distintos de santidade e baseavam-se em teologias distintas.
Para o primeiro a santidade consistia basicamente em renúncia dos bens desse mundo por amor a Deus,
para o segundo significava a inabalável paz interior de quem está sempre consciente da presença de Deus.
O primeiro enfatizava que Deus é o Altíssimo, o segundo que Deus é o Onisciente. Dessas duas formas de
catolicismo, nascem duas grandes escolas de pintura, a escola do sul e a escola do norte.
2. Origens
As duas escolas têm origem geográfica distinta. A primeira nasce na Itália, na região da Toscana, os seus
fundadores são Giotto, em Florença:
(A natividade, obra de Giotto)
e Simone Martini, em Siena:
(A Anunciação, obra de Simone Martini com o auxílio de seu discípulo Lippo Memmi)
Da segunda, que surgiu na região de Flandres,
(localização da região de Flandres na Europa)
é difícil dizer quem é o fundador, alguns atribuem a origem da escola flamenga de pintura a Robert Campin:
(A Anunciação, obra de Robert Campin)
De qualquer forma a escola do norte, que é fundamentalmente flamenga, tem nos irmãos Jean e Hubert Van Eyck:
(O Retábulo de Gand, obra dos irmãos Van Eyck. Na parte inferior, ao centro, está a
"Adoração do Cordeiro divino" que talvez seja obra de Hubert)
em Rogier van der Weyden:
(A visita dos reis magos, obra de Rogier van der Weyden)
e em Hugo van der Groes:
(A natividade, obra de Hugo van der Groes)
os seus maiores representantes.
Passagem para o Renascimento:
Foram os membros dessas duas escolas os responsáveis pelas descobertas que fizeram o estilo gótico dar lugar ao
estilo renascentista.
Vejamos a transformação por meio de alguns exemplos ilustrativos. Primeiro entre os italianos, depois através
de 3 representantes flamengos da Escola do Norte.
Na Itália:
representação realista da realidade corpórea)
(imagem de Santa Clara de Assis, obra de Simone Martini)
(A Crucificação, obra de Masaccio)
No Norte
(O noivado do casal Arnolfini, obra de Jean Van Eyck)
(A descida do Cristo da cruz, obra de Rogier van der Weyden)
(A dormição de Nossa Senhora, obra de Hugo van der Goes)
Em ambas as escolas o essencial do novo estilo que estava surgindo é a aplicação do conhecimento científico na pintura, sobretudo de perspectiva, para criar ilusão de realidade. Olhando para as imagens parece que os italianos conseguiram o feito antes dos flamengos. Mesmo naquele quadro de Jean Van Eyck que representa o casal Arnolfini, se por um lado é impressionante o realismo na representação da sala, o casal retratado se parece mais com 2 autômatos do que com seres humanos reais. Com Rogier van der Weyden os flamengos se aproximaram mais de sua intenção. No quadro “A descida da cruz” as figuras não parecem mais autômatos. No entanto o quadro parece mais representar uma cena de teatro do que um evento real. É somente com Hugo van der Groes que a intenção é alcançada e a representação da realidade na pintura flamenga chega a perfeição.
Conclusão:
A pintura medieval era feita de convenções. O que importava não era que a pintura parecesse uma realidade
desse mundo, que as figuras pintadas parecessem corpos reais, mas sim que uma mensagem fosse transmitida
de modo claro. Para isso bastava que o artista desenhasse e pintasse de acordo com certas convenções
conhecidas e aceitas por todos e que soubesse arranjar as figuras num todo harmônico para dar clareza à
mensagem. . Nela uma montanha ou um rio não tem a pretensão de parecer uma montanha ou um rio desse
mundo. É propositadamente uma representação convencional e imaginária de uma montanha ou de um rio
como símbolo de uma realidade superior. Os medievais entendiam que o Cosmo em que vivemos não tem
existência nem em si mesmo nem por si mesmo. Não viam porque representar esse mundo de modo realista
porque entendiam que dele se pode dizer aquilo que Cristo disse certa vez para Santa Catarina de Siena:
“tu és aquilo que não é”. A arte renascentista, de que começarei a falar no próximo texto, se por um lado foi
uma grande conquista artística, por outro significou uma enorme perda na consciência da realidade.
Fontes:
A aula do professor Luiz Gonzaga de Carvalho Neto sobre Santo Inácio de Loyola do curso
"Os santos que abalaram o mundo", do Instituto Cultural Lux et Sapientia:
O livro "A História da arte", de E.H Gombrich
O google
O google imagens
Nota: A frase completa do Cristo para Santa Catarina de Siena é:
"Sabes minha filha, quem eu sou e quem tu és?
Eu sou Aquilo que É, tu és aquilo que não é. Se entenderes isso serás realmente bem-aventurada".
Capítulo X: O renascimento
No último capítulo disse que o Renascimento, conquanto tenha sido uma grande conquista artística, foi uma
grande perda na consciência da realidade.
Isso aconteceu, paradoxalmente, por causa do realismo da pintura renascentista:
A Monalisa, ou "Gioconda", obra de Leonardo da Vinci
Esse realismo é o realismo da visão natural do olho humano. Podemos ver isso no exemplo acima.
É notável o efeito de fundo, de horizonte, que Leonardo da Vinci consegue através do uso das leis da perspectiva,
nessa, que é a mais conhecida de suas obras.
Olhando pinturas como essa ficamos com a impressão que foram os pintores renascentistas os maiores
exploradores das leis da perspectiva. Certamente foram mestres do "realismo" na representação de corpos
humanos.
Por que isso? Justamente porque queriam fazer pinturas que respeitassem o modo natural do olho humano ver
as coisas.
É nisso que consiste o realismo renascentista.
Enquanto a pintura medieval era uma pintura para expressar mensagens, cada pintura renascentista parece ser
uma experimentação científica.
Não é por acaso que o mais conhecido dos artistas do Renascimento tenha sido também cientista e inventor.
Parece que os pintores do Renascimento inventaram a pintura científica. Isso talvez explique a diversidade de
temas dessa pintura: sacros:
(A Criação do Homem, de Michelangelo)
(A Anunciação, de Leonardo da Vinci)
(A Última Ceia, de Leonardo da Vinci)
(A Crucificação, de Masaccio)
(Cristo entrega as chaves do reino de Deus para São Pedro. Obra de Pietro Perugino)
(O Juízo Final de Michelangelo)
Mitológicos:
(Alegoria da Primavera, obra de Botticelli)
(O nascimento de Vênus, de Botticelli)
Retratos:
(auto-retrato de Rafael Sanzio)
(retrato de uma mulher pintado por Rafael Sanzio)
(auto-retrato de Albretch Durer)
e outros:
(A escola de Atenas, de Rafael Sanzio)
O tema parece não importar para o pintor, que aceita pintar qualquer coisa que lhe peçam e que sua habilidade é
capaz. O que importa é a forma. É como numa sinfonia, em que o tema é somente um pretexto para o músico
provar para si mesmo sua capacidade de compor sons:
E a forma na pintura renascentista é sempre visualmente realista. A pintura mostra como olho humano vê ou
veria algo.
No entanto, essa pintura é produto de uma época em que os seres humanos deixaram de viver para a eternidade e
passaram a viver apenas para essa vida aqui.
Representativo disso é a mudança de pensamento e de sentimento dos europeus com relação a morte. É uma
época de declínio, o outono de uma civilização, como mostrou o grande historiador holandês Johann Huizinga
no seu clássico livro "O Outono da Idade Média".
Essa época, que chamamos Renascimento, e que pode ser vista como a última fase da Idade Média, é uma
época de retorno do interesse pelo paganismo. Não do retorno do interesse pelas obras de autores pagãos, pois
os autores pagãos não deixaram de ser lidos e estudados na Idade Média. Mas do retorno do interesse pelo
paganismo em si mesmo.
Daí o nome Renascimento.
Foi, na verdade, um retrocesso. Ou melhor, é sinal histórico de um retrocesso na consciência humana da
realidade.
O homem medieval entendia que essa realidade, acessível aos nossos sentidos, não é a realidade definitiva e sua
arte mostra isso:
(na pintura acima o castelo ao fundo parece contrastar em realismo com o que vemos na frente: Parece saído de
um conto de fadas. Mas o homem medieval era consciente daquilo que dizia Chesterton: é o país das fadas que
julga a Terra. Porque o país das fadas é o país dos ideais que, por serem ideais, são fixos. A Terra, porém, é o
país da realidade movediça que precisa olhar para o país das fadas para conhecer-se e julgar a si mesmo. A obra,
de autoria dos irmãos Paul e Jean Limbourg, é uma ilustração contida em um livro de orações)
Era, o homem medieval, um cristão que, por ser cristão, não tinha medo da morte, e por isso mesmo, não
precisava ser apegado a essa vida. Não precisava ser realista na representação das coisas que seus olhos viam
porque sabia que essas coisas não são a realidade definitiva.
Já o homem renascentista é um apegado a essa vida aqui. Por isso a pintura renascentista é realista na
representação do que os olhos vêem.
É verdade que o Renascimento produziu obras-primas da pintura. A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, é, ao
meu ver, uma das coisas mais impressionantes já feitas nessa arte:
(no centro do quadro Platão e Aristóteles conversam. Platão aponta para cima, para dizer que para obter o
verdadeiro conhecimento é necessário contemplar as idéias eternas. Mas Aristóteles aponta para baixo para dizer
que o conhecimento humano começa com as coisas aqui da Terra. Mais a esquerda encontramos Sócrates
dialogando. Outras figuras históricas também podem ser identificadas. O efeito de fundo ou horizonte é
impressionante e mais impressionante ainda são as figuras nos 2 cantos nas quais a pintura imita a escultura com
um realismo assombroso)
No entanto, são obras-primas representativas de uma civilização espiritualmente decadenteE o conceito de pintura científica (também podemos dizer pintura experimental) que parece ter surgido com os
renascentistas, abriu caminho para a decadência da arte.
Enfim, não é fácil julgar a pintura renascentista. Não podemos não admirar obras como o nascimento de Vênus,
a Última Ceia ou A Criação, porém, se é verdade que nelas o tema não importa, somente a forma, temos que
admitir que essa admirável arte se baseia num juízo falso a respeito da importância do tema na pintura. Daí porque
da decadência da arte ter começado no Renascimento.
No entanto, é necessário dizer, esse começo foi um começo teórico, não prático. Mas então os gênios da
Renascença souberam fazer obras-primas da pintura apoiando-se numa má base teórica. Como é possível?
O problema parece insolúvel, mas talvez se explique pela mentalidade dos financiadores da arte e dos pintores.
Se a alma coletiva da sociedade do Renascimento era uma alma sem vida sobrenatural, tinha porém a vida natural,
o que salvou a arte do Renascimento da corrupção estética.
Fontes:
- uma aula do Padre Paulo Ricardo sobre o Renascimento (acredito eu que do curso História da Igreja Medieval:
HTTPS://PADREPAULORICARDO.ORG/CURSOS/HISTORIA-DA-IGREJA-MEDIEVAL
- o livro "A História da arte", de E.H. Gombrich
- o livro "O outono da Idade Média" de Johann Huizinga
- o google imagens
- enfim, uma interessante análise da obra "A escola de Atenas" pode ser lida aqui:
HTTPS://WWW.CULTURAGENIAL.COM/A-ESCOLA-DE-ATENAS-DE-RAFAEL-SANZIO/
Capítulo XI: A pintura barroca
Aviso ao leitor:
O capítulo a seguir se divide em 4 partes. Na primeira é colocada uma questão: com relação ao Renascimento o
Barroco foi ruptura ou continuidade? Para responder essa questão faço uma comparação e uma regressão para a
Era Renascentista e a Era Medieval. Terminada essa comparação com uma apreciação geral sobre o significado
histórico do Renascimento passo ao assunto principal desse texto que é a pintura barroca. No final faço uma
transição para o tema do próximo texto que é o classicismo.
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Para mim a mais interessante questão da Ciência História é aquela em que perguntamos se algo foi uma ruptura
com relação ao que havia antes ou se representou uma continuidade. No caso da pintura barroca e não só a
pintura, mas toda a arte, a questão é perguntar se o Barroco foi uma ruptura com o Renascimento, ou se surgiu
de transformações internas desse, representando assim uma continuidade.
Se olharmos, por comparação, para o Renascimento em sua relação com a Idade Média, veremos que esse
momento tem um significado histórico ambíguo. De um lado é no século XV que aparece pela primeira vez
a clássica divisão do Tempo Idade Antiga-Idade Média e Idade Moderna. É obra de Leonardo Bruni (1370-1444),
historiógrafo oficial da República de Florença, conhecido pelo apelido de Aretino, porque nascido em Arezzo.
Bruni chama si mesmo e aos outros humanistas do Renascimento de modernos, procura marcar assim a sua
diferença para com os homens desse período intermediário que ele chamou Idade Média. Também, e nisso
devemos dar razão aqueles que assim dizem, acontece no Renascimento um renascimento do paganismo.
Por exemplo, na teoria política de Nicolau Maquiavel. Na concepção de Estado: em vez do Estado servidor,
encarnado em figuras como São Luís, rei da França, fruto daquelas palavras do Cristo “o maior entre vós seja
o servo de todos” (ver a nota no final do capítulo), o Estado-Nação, objeto de culto religioso. Correlacionado
a isso, ressurge aquela mentalidade, que encontramos nos antigos gregos e romanos, que uma é a religião do
Estado, e que quem não a pratica é um inimigo do bem da sociedade. É então a verdadeira época da Inquisição,
no sentido que essa palavra adquiriu no imaginário popular. Quão diferente é isso da liberdade religiosa que
vigorava no tempo em que a civilização ocidental era realmente cristã! Via-se então judeus praticando sua
venerável religião em solo europeu com proteção do próprio chefe maior da Igreja Católica, muçulmanos
freqüentando universidades européias e sendo admitidos naqueles debates que davam vida aquele ambiente
universitário.
Outras rupturas não parecem ter relação com esse retorno ao paganismo. Na vida intelectual, sobreposta a
dialética dos intelectuais universitários, símbolo de uma organização política na qual comunidades autárquicas
dialogavam entre si formando a cristandade européia, vemos a retórica dos intelectuais de corte ou palacianos,
símbolo de uma organização política na qual comunidades subordinadas a um poder central convergem para
formar os países que hoje podemos ver no mapa europeu. Opondo-se a tendência dos escolásticos medievais
para a especulação os pesquisadores da nova época preferem a experimentação ocultista, através da qual
julgam poder descobrir segredos escondidos da Natureza. Eis a origem da Ciência Moderna. Na literatura
poética em lugar da terza rima, que é a métrica da “Divina Comédia” de Dante:
(VIRGEM Mãe, por teu Filho procriada,
Humilde e superior à criatura,
Por conselho eternal predestinada!
“Por ti se enobreceu tanto a natura
Humana, que o Senhor não desdenhou-se
De se fazer de quem criou, feitura.
“No seio teu o amor aviventou-se,
E ao seu ardor, na paz da eternidade,
O germe desta flor assim formou-se.
“Meridiana Luz da Caridade
És no céu! Viva fonte de esperança
Na terra és para a fraca humanidade!)
os poetas preferem a ottava rima, porque, a observação é de Otto Maria Carpeaux, permite que as estrofes ou
estâncias do poema sejam como indivíduos fechados em si mesmos. É a rima de “Os Lusíadas”:
(Cessem do sábio grego e do troiano
as navegações grandes que fizeram
Calem-se de Alexandre e de Trajano
a fama das vitórias que tiveram
Que eu canto o peito ilustre lusitano
a quem Netuno e Marte obedeceram
Cesse tudo o que a antiga musa canta
Porque outro valor mais alto se alevanta)
e a epopéia de Camões nos mostra outra ruptura: já não é mais a cristandade para além das diferenças
geopolíticas que é exaltada, mas um império, o império português, no qual o poeta vê um ministro
da Providência divina para levar o Evangelho para gentes estranhas:
(E vós, ó bem nascida segurança
Da Lusitânia antígua liberdade
E não menos certíssima esperança
Do aumento da pequena cristandade
Vós, o novo temor da maura lança
Maravilha fatal da nossa idade
Dada ao mundo por Deus, que a todo mande
Para do mundo a Deus dar parte grande)
São os versos que Camões escreveu na dedicatória ao rei Dom Sebastião. Glorificação de um indivíduo não
mais como líder da cristandade, mas como líder de um Império, embora o poeta julgue que esse Império tem
o dever de representar a cristandade na Terra. Na música, se até o século XIV as composições para conjunto
vocal e/ou instrumental enfatizam mais o conjunto, o que resulta da harmonia dos cantores e/ou
instrumentistas:
no século XV surge um modo de fazer música na qual a ênfase não está no conjunto, mas em cada uma das
vozes ou planos, e a harmonia musical resulta do domínio da técnica do contraponto:
Enfim, a pintura. A preferência, observa Johann Huizinga em seu clássico “ O outono da Idade Média” é pela
simplificação, no sentido de uma concentração dos elementos do quadro num único ponto:
Eis o Renascimento como rompimento com a Idade Média. Mas há também um outro Renascimento, no qual
continua, progride, o que havia começado no período medieval. O interesse dos renascentistas pelo ocultismo,
conhecido por todos aqueles que estudam esse período, não é necessariamente pagão. Pode ser um
franciscanismo aumentado: Não basta apenas o amor franciscano a Criação visível, ou, como diríamos hoje,
a Natureza: é preciso descobrir na Natureza as forças sutis, fadas, elementais, e outras; os seres de um
racionalmente necessário mundo de corpos sutis intermediário entre o mundo dos corpos densos e o mundo
dos puros espíritos.
Fora do mundo franciscano vale lembrar que Santo Alberto, o mestre de Santo Tomás de Aquino, escreveu
um tratado de alquimia. Marsílio Ficino, um cristão platônico como Santo Agostinho, e seu discípulo Pico
della Mirandola propuseram um tipo de magia simpática que visa ao aperfeiçoamento espiritual do indivíduo
e se esforçaram para mostrar que essa é perfeitamente compatível com o cristianismo. Mesmo em algumas
daquelas áreas onde apontamos rupturas a ruptura não é completa. Na música, por exemplo, como não faz
sentido falar em música renascentista (não parece que os polifonistas da Renascença foram buscar nos antigos
nem modelos nem uma justificativa para sua arte) somos obrigados a admitir que o que temos no século XV é
uma continuidade do estilo gótico em música, porém um gótico que vai se simplificando, de modo que da
complexidade aparentemente ininteligível da Ars Nova (estilo musical surgido e desenvolvido na França no
século XIV) chegamos a simplicidade de um Palestrina:
ou de um John Dowland:
Enfim, o Renascimento foi uma época de crise, foi uma adolescência do ser humano. Assim como o
adolescente não é totalmente criança nem totalmente adulto, é meio criança e meio adulto, assim o homem
renascentista era meio medieval e meio moderno. Vemos a mesma ambigüidade de significado histórico no
Barroco em sua relação com o Renascimento? Se a cultura renascentista é uma cultura do individualismo o
barroco continua essa cultura. A época barroca é o auge do absolutismo monárquico, perfeitamente ilustrado
na célebre frase atribuída a Luís XIV “O Estado sou eu”. É no barroco também que surgem essas formas
musicais em que o indivíduo é destacado diante da coletividade: O concerto para solista e conjunto instrumental:
e a ópera e o oratório com suas árias e recitativos:
Em outras o indivíduo está sozinho para contar sonhos em forma de música: são os prelúdios, tocatas, fugas,
fantasias e outras formas de música para instrumento solo:
É o barroco como continuidade do Renascimento. Mas dentro dessa continuidade se esconde a ruptura.
O individualismo do Renascimento era um contraponto de muitas individualidades, dirigidas para um destino
comum, como na Ave-Maria de Josquin Desprez na qual o contraponto das vozes se dirige para o refrão na
qual elas cantam juntas, num só tempo. A variedade estava no timbre, na cor, não no foco. O individualismo
do barroco não é assim. As principais características dele podem ser captadas pelo estudo da pintura barroca
analisada segundo a teoria do grande teórico e historiador suíço Heinrich Wolfflin (ver nota explicativa no
final do texto). Ei-las: Forma aberta em oposição a forma fechada da pintura renascentista, multiplicidade
de focos ao invés da unicidade de foco da pintura renascentista, gosto pelo obscurecimento do ambiente
oposto ao gosto pela clarificação dos pintores renascentistas. Vejamos alguns exemplos:
A primeira pintura escolhida é a Última Ceia de Tintoretto. Se a compararmos com a Última Ceia de Leonardo
da Vinci veremos uma escolha por um ambiente escuro, a cena parece se passar a noite, enquanto que na obra
de Leonardo a paisagem ao fundo nos mostra se tratar de uma cena diurna. Nessa tudo, de algum modo,
se dirige para o Cristo, que é o único ponto focal da obra. O homem renascentista, mesmo quando é cristão,
ainda assim é autocentrado. Quer encontrar Cristo no centro de sua alma:
Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa, Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.
Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.
(São João da Cruz, trecho do
poema "Noite escura da alma")
Já na obra de Tintoretto há vários pontos focais. Os personagens
se dividem em grupos, cada grupo com seu foco. Não é Jesus homem
que une todos os elementos do quadro fazendo-os se dirigir para
um único ponto focal, é Jesus Deus, o Logos divino. A obra é uma
imitação da ação do Verbo divino, a segunda Pessoa da Santíssima
Trindade. No fundo, por trás das muitas formas da obra, há uma só
forma, uma só substância, o Logos eterno. A mesma escolha por um
ambiente escuro e pela multifocalidade vemos na obra "As meninas"
de Diego Velásquez e na obra de Caravaggio representando São
Jerônimo. Na primeira, muito embora o lugar onde estão as meninas
pareça ser o ponto focal, a posição ou o olhar dos outros elementos
parecem se afastar desse ponto. Se um pintor renascentista tivesse
pintado um quadro chamado "As meninas" faria com que tudo mais
na obra fosse bem focado nelas, como as ninfas estão focadas em
Afrodite no quadro de Botticelli ou os apóstolos no Cristo na obra
de Leonardo. Na segunda, ainda que o ponto focal seja Jerônimo
escrevendo há algum desvio de foco por parte de outros elementos
(observem a posição dos olhos da caveira). Para comparar vejamos
o São Jerônimo de um pintor renascentista:
(São Jerônimo por Ghirlandaio)
Tudo no quadro de Ghirlandaio está centrado no autor da Vulgata e ele mesmo parece estar autocentrado.
Podemos inferir a partir dessa comparação dois tipos humanos. Um, o renascentista, é centrípeto. É o homem
auto-centrado, preocupado tão somente com o desenvolvimento de sua personalidade como se fosse a composição
de uma obra de arte. O outro, o barroco, é centrifugo. É o homem excêntrico, que se afasta de si mesmo em
busca de outro que o complete, como a Santa Teresa da célebre escultura de Bernini:
(O êxtase de Santa Teresa, obra do escultor barroco Gian Lorenzo
Bernini)
No período barroco mesmo convivem esses dois tipos humanos. Um, o barroco, de modo mais saliente, e os
sobreviventes do tipo renascentista de modo discreto, até escondido. Do tipo renascentista embora de expressão
barroca é São João da Cruz:
Ó bosques e espessuras
Plantados pelas mãos do meu amado!
Ó prados de verduras
de flores esmaltados
Dizei-me se por vós Ele há passado (São João da Cruz, trecho do poema Cântico espiritual)
do tipo barroco é Santa Teresa de Ávila, assim pintada por Carpeaux: “uma santa pomposa, grande dama da
Espanha, com os olhos voltados para o céu”. É significativo que na reforma da Ordem do Carmo promovida
por esses dois grandes santos nos anos de 1500 o missionário tenha sido Teresa e não João. Porque esse escolheu
permanecer na clausura, compondo sua alma como se compõe uma obra de arte. Ele mesmo gostava de
comparar o processo de santificação da alma, da conformação da alma a Cristo, ao trabalho do escultor.
O tipo renascentista não desaparece no período barroco. Está escondido como um monge no seu mosteiro.
As igrejas, os estados, a burguesia, aqueles com poder de financiar o trabalho dos artistas, preferem a arte
do homem excêntrico. Seus mestres, os “influencers” da época, lhes ensinam a preferir o estilo barroco,
arte do êxtase, ao invés do estilo clássico, arte do indivíduo centrado em si mesmo, completo em si mesmo.
Porém embaixo dos formadores de opinião estão os formadores do imaginário. Porque a opinião formada
depende do imaginário que se tem. E quem são os formadores do imaginário senão os literatos, músicos,
arquitetos, escultores, pintores? No século XVII, enquanto os artistas barrocos eram financiados pelos
poderosos da época outros artistas, sobreviventes da Era Renascentista, iam formando outro imaginário
nos formadores de opinião. É o imaginário do classicismo. O classicismo na arte pode ser visto como
uma continuidade da arte renascentista que permaneceu escondida, no underground, durante todo o
período barroco. É então, a arte classicista do século XVIII, o tema do próximo capítulo.
Fontes e notas explicativas:
1. A informação sobre Leonardo Bruni como inventor da divisão Idade Antiga-Idade Média- Idade Moderna foi
tirada, se muito não me engano, da leitura da História da literatura ocidental de Otto Maria Carpeaux.
2. A frase citada do Cristo se encontra na Bíblia em Mateus 20, 25-26, Marcos 10, 42-43 e Lucas 22, 25-26
3 Julgo importante colocar que a relação entre religião e Estado que havia na Grécia e na Roma antigas foi a
causa tanto da condenação de Sócrates a morte como do martírio de milhares de cristãos no tempo do Império
Romano. A respeito desse tema da relação religião e Estado sugiro a leitura da obra-prima do professor
Olavo de Carvalho, o livro "O jardim das aflições".
4. Sobre a liberdade religiosa na Idade Média leiamos o que diz um medievalista:
"A Inquisição nunca pretendeu converter ninguém. Além disso, não tinha
jurisdição sobre quem não fosse
católico
Para responder a um processo inquisitorial, era necessário ter sido
batizado na Igreja. O objetivo do tribunal era manter a ortodoxia
da religião não impô-la (claro que, do ponto de vista político, esse
objetivo teológico serviu de instrumento jurídico para unificar Reino
e religião, especialmente na Espanha, onde os não católicos foram
expulsos).39
No entanto, qualquer batizado “cristão” atraía a competência da corte,
até mesmo os considerados heréticos (o que proporcionava a ela
jurisdição sobre os protestantes). Os que tinham por finalidade
subtrair o “novo cristão” de perseguições políticas também
podiam sofrer perseguição por parte de autoridades
inquisitoriais (por isso o Tribunal podia atuar contra
“falsos conversos”, em sua maioria, judeus espanhóis)"
(a citação foi tirada de um texto do historiador medievalista
e professor Ricardo da Costa. Pode ser lido aqui:
https://www.ricardocosta.com/artigo/pedro-berruguete-goya-banti
5. Sobre o comportamento da Igreja com relação aos judeus, basta dizer que o papa Gregório X promulgou um
decreto de proteção ao povo do qual nasceu o Salvador. O texto, traduzido para o português, pode ser lido nessa
página: https://www.estudostomistas.com.br/2017/01/decreto-de-protecao-papal-do-papa.html
6. Sobre a presença de árabes muçulmanos nos debates universitários no Medievo sugiro que o leitor
veja um filme-documentário de 1975 sobre a vida de Santo Tomás de Aquino dirigido por Leandro Castellani.
Não tendo condições de fazer uma pesquisa de fontes primárias sobre esse tema deixo-a como sugestão para
quem se interessar.
7. Sobre os intelectuais palacianos na Renascença também sugiro a leitura do livro "O jardim das aflições".
8. A oposição escolásticos medievais especulativos X humanistas da Renascença empiristas foi tirada da leitura
da História da literatura ocidental de Carpeaux.
9. Sobre o ocultismo do Renascimento como origem da Ciência Moderna escreveu Otto Maria Carpeaux:
" Em geral, o misticismo renascentista não é contemplativo; é uma doutrina de ação, mais perto do ocultismo
moderno do que da mística medieval. Está ligado a um certo desajustamento, à desproporção entre as exigências
do “super-homem” renascentista, representante de um possibilismo extremo, por um lado, e, por outro lado, os
obstáculos da realidade semi-medieval, eclesiástica e agrária. O espírito renascentista, de feição estética,
personifica logo esses obstáculos como Fortuna, a deusa arbitrária, queé a inimiga do mérito pessoal e portanto
da Glória, tão cobiçada pelos condottieri e pelos humanistas. À Fortuna os humanistas opõem a resignação
estoica, ou então a evasão para o reino do espírito puro, das ideias platônicas. Ou então, procuram conquistar
forças sobre-humanas, dedicando-se às ciências ocultas. Por isso, porque o ocultismo renascentista é doutrina
de ação, encontram-se entre os ocultistas da Renascença alguns precursores da ciência e técnica modernas:
Paracelsus, Cardano, Giovanni Battista della Porta" (História da literatura ocidental, Renascença e Reforma,
O Quatroccento)
10 Para citação da Divina Comédia usei essa tradução http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/paraiso.html.11. Para "Os Lusíadas" foi usada a edição que se encontra no site da Bibliotheca Augustana:
https://www.hs-augsburg.de/~harsch/lusitana/Cronologia/seculo16/Camoes/cam_lu00.html
12. O livro do historiador holandês Johann Huizinga mencionado no texto também foi publicado em língua
portuguesa com o título de "O declínio da Idade Média".
12. Sobre a crença dos cristãos do Renascimento na existência dos seres mitológicos sugiro a leitura da
obra de Agostinho Calmet, monge beneditino que investigou relatos de aparições desse seres. Apesar de
ser de uma época posterior ao Renascimento essa obra mostra que a cosmovisão cristã era bem diferente
antes do Iluminismo que mecanizou a cosmovisão cristã e todo o cristianismo inclusive a moral gerando
daí sérias consequências para a saúde mental dos cristãos. Ela pode ser lida (em inglês) aqui:
https://www.gutenberg.org/cache/epub/29412/pg29412-images.html
13. Sobre Marsílio Ficino, Pico della Mirandola e a magia, o verbete "Magia no Renascimento"
da Wikipedia traz as seguintes citações (sim, a Wikipedia não é melhor fonte, mas não se deve
rejeitar tudo o que está lá e sim fazer uma filtragem. Examinar de tudo e ficar com o que é bom,
como dizia o Apóstolo):
"Mas por que pensamos que o Amor é um mágico? Porque todo poder da magia consiste no Amor.
O trabalho da magia é a atração de uma coisa pela outra por causa de uma certa afinidade de natureza."
(trecho do Comentário de Marsílio Ficino ao diálogo "O banquete", de Platão)
“Como eu disse na primeira conclusão, refuta-se toda magia proibida pela Igreja, essa que é condenada
e detestada, com eu protestando apenas ao falar da magia natural e expressamente pela especial conclusão
declarando: que por esta magia, nada se opera a não ser somente para a atuação e união das virtudes naturais.
(trecho da obra "Apologia" de Pico della Mirandola)
14. Ars Nova: Estilo musical surgido na França no século XIV. Pode ser considerado o correspondente em música
do que é o gótico flamboyant na pintura.
15. As informações sobre história da música foram tiradas de 3 obras: A "Nova História da música" de Otto Maria
Carpeaux, a "História da música ocidental" de Donald J. Grout e Claude V. Palisca e a "História universal da música"
de Roland de Candé.
16. Para as citações dos poemas de São João da Cruz foram usadas duas traduções. Para o "Noite escura da alma" usei
a tradução desse site https://alexcastro.com.br/noite-escura-de-joao-da-cruz/ Para o "Cântico espiritual" usei a tradução publicada pela "Minha Biblioteca Católica".
17. Heinrich Wolfflin (1864-1945): Foi um historiador e teórico da arte suíço. Propôs uma teoria que
distinguia dois tipos de pintura, o tipo renascentista ou clássico, e o tipo barroco. Sua teoria permite ver a
história da pintura de forma cíclica que é o que eu procurei fazer nesse texto.
Capítulo XII: Do barroco ao classicismo
Se os historiadores da arte se interessam pela questão de como houve a passagem do estilo barroco do século
XVII para o estilo classicista do século XVIII é porque, como seres humanos, se interessam pela questão de
como algo pode surgir do seu oposto. No caso presente parece que tudo pode ser explicado por apenas uma
palavra, simplificação: a passagem do barroco para o classicismo se deu por um processo de simplificação:
As duas primeiras pinturas, duas obras de Jean Antoine Watteau, são exemplos dessa forma tardia
de barroco mais conhecida pelo nome de rococó. Nelas a pintura se destaca mais que o desenho.
Parecem ter sido pensadas como pinturas. Nelas a harmonia total entre as partes parece vir da
harmonia cromática, sem nenhum cálculo disciplinando. Daí a visível complicação barroca.
Já nas duas outras, duas obras de Jacques Louis Davi, é o desenho que se destaca mais, são
desenhos pintados, e parece tudo obedecer a uma geometria simplificadora, redutora.
O rococó não é um estilo intermediário entre o barroco e o classicismo. As primeiras
obras clássicas ou neoclássicas (mais adiante falaremos do problema do nome) parecem
ser anteriores as primeiras obras em estilo rococó:
(Et in Arcadia Ego, obra de Nicolas Poussin, autor do século XVII mas de estilo pré-classicista)
O rococó é a forma tardia do barroco. É para o barroco o que o estilo flamboyant é para o gótico:
(Tríptico de Desdren, apresentando no centro Nossa Senhora com o Menino Jesus. Obra de Jan Van Eyck
de estilo gótico flamboyant)
(retrato da senhorita Elizabeth Haverfield, obra de Thomas Gainsborough de estilo rococó com elementos
de romantismo)
São, ambos, expressão do gosto artístico da nobreza palaciana, de xátrias do Ocidente. Já seu oposto,
o classicismo, é um estilo de intelectuais, de racionalistas. De brâmanes o mais das vezes secularizados.
O uso do termo classicismo para falar desse estilo de arte é problemático. Alguns preferem o uso do
termo neoclassicismo, porque o estilo renascentista também seria um estilo classicista e porque o primeiro
classicismo seria o das obras gregas do tempo de Platão. Outros optam pelo uso do vocábulo arcadismo.
Esse último termo tem a vantagem de fazer enxergar o caráter intelectual do classicismo do século XVIII.
Seus representantes são admiradores da cultura clássica greco-romana. Poetas desse século escreveram
num estilo chamado arcádico poesias que se passam num lugar imaginário cujo nome é o mesmo de uma
antiga região da Grécia, a Arcádia:
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’ expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela! (início do poema “Marília de Dirceu”, do poeta brasileiro Tomás Antônio Gonzaga).
É preciso então retornar a Grécia Antiga para entender o uso daquele nome problemático, classicismo. Até onde a Ciência Histórica pôde ir, foram os gregos, em particular Aristóteles, os primeiros no Ocidente a quererem classificar as coisas. Esse gosto e hábito da classificação é um primeiro, e mais superficial, sentido da palavra classicismo. Clássico é aquilo que foi classificado. É como se dissemos que um tigre e um leão são animais clássicos porque foram sabiamente classificados por Lineu num reino, filo, classe, ordem, gênero e espécie, enquanto que um ligre (mistura de leão e tigre) não é um animal clássico porque, sendo mistura duas espécies, se parece mais com uma obra de arte barroca:
Quando se trata de arte, de poesia, de música, compor uma obra clássica (no sentido de classificável) exige que o autor conheça bem as distinções entre gêneros e espécies. Não poderá compor uma obra que possa seguramente ser classificado como poesia épica se não conhecer bem a distinção entre essa e a poesia lírica, ou uma obra que possa seguramente ser classificada como pintura de paisagem se não conhecer a distinção entre essa e a pintura de natureza morta.
Daí chegamos aquele outro uso da palavra clássico, que é o do clássico como o modelo a ser imitado porque nele temos a poesia épica ou a poesia lírica, a sinfonia:
a pintura de paisagem ou a pintura de natureza morta, etc, em estado modelar. Nesse sentido os primeiros clássicos do Ocidente são obra dos antigos gregos. São os poemas homéricos, a Ilíada e a Odisséia. Isso na literatura, que surge como literatura oral. No entanto, esses 2 poemas não são classicistas, isto é, arcadistas. Homero não foge da realidade mas a enobrece com seus versos. O classicismo é um modo de evasão, de fuga da realidade. Nele o objeto precisa se adequar ao método, a matéria à forma. Transposto para a política tem consequências das mais graves.
Porque nada está na política sem antes estar nas artes. Pelo contato com as artes o homem assimila formas que depois são transpostas por analogia para a política. Antes do terror da Revolução de 1789 houve o classicismo racionalista, que, sociologicamente falando, foi a utopia de uma sociedade geometrizada, coisa que o sábio chinês já sabia que não pode dar certo (1). O romantismo, tema do nosso próximo texto, não começou com a Revolução Francesa. Aqueles que, no século XIX, quiseram realizar o pesadelo dos revolucionários de 1789, um Comte, um Marx, não eram românticos. O movimento chamado romantismo foi, em certo sentido, o retorno do pesadelo à realidade.
Notas:
1. O sábio chinês referido no texto é o mítico Lao-Tsé ou Lao-Tzu. Will Durant interpretando o pensamento do "Velho Mestre" na sua "História da Civilização" diz :"o intelectual é um perigo para a sociedade pelo fato de querer legislar sobre tudo e tudo regulamentar; sua idéia é construir uma sociedade geométrica, não percebendo que essa geometrização destrói a liberdade e o vigor dos componentes sociais".
Fontes:
Imagens do google
Vídeos do youtube
Memórias de leituras
Capítulo XIII: Dos romanos ao romantismo
Introdução:
Esse capítulo é dividido em duas partes. Na primeira procuro mostrar que a origem da palavra
romantismo remonta a Idade Média. Na segunda procuro explicar como tal palavra se tornou o
nome de um estilo de época e de um período da história das artes. Trato também, de modo breve
e sugestivo, da relação do romantismo com o liberalismo e com o conservadorismo político e da
relação entre arte, política e religião. No final do capítulo há algumas notas explicativas.
I
A origem do termo romantismo
Nas palavras em língua portuguesa terminadas com o sufixo ismo o mesmo sufixo significa “como algo
ou alguém” ou “de acordo com algo ou alguém.Cristianismo quer dizer como o Cristo, budismo como o Buda, islamismo, de acordo com o Islã.
Nas artes, classicismo quer dizer como os clássicos, impressionismo, de acordo com uma impressão,
fauvismo (do francês fauve; fera) como os selvagens.
E romantismo?
Para descobrirmos a resposta temos que voltar no tempo, para aqueles séculos que os historiadores
convencionaram chamar de Idade Média.
Nesses séculos se formaram as línguas européias, tanto as latinas como as não-latinas. A partir do
século XI é possível encontrar uma literatura feita em língua românica, isto é, latina, em alguma
língua derivada do latim, a língua falada pelos antigos romanos. Do século XI é a "Canção de Rolando",
epopéia em versos escrita em francês medieval, do século seguinte é o "Poema de Mio Cid", epopéia em
versos escrito em castelhano medieval (1).
Mas o século XII é também o tempo da poesia trovadoresca, com seus temas recorrentes do
amor cortês:
Under der linden (Debaixo da árvore), poema e melodia de
Walther Von der Vogelweide (1170-1230). (2)
e do sofrimento pela frustação amorosa:
"Can vei la lauzeta mover" ("Quando vejo a cotovia voar"), poema e melodia de
Bernard de Ventadorn (c. 1130 a c. 1200) (3)
Essas duas formas de literatura, se juntaram na segunda metade do século XII para formar uma
espécie literária chamada “romance cortês”.
Romance porque os primeiros exemplos são em uma língua românica, o francês, cortês porque os
primeiros leitores, aqueles para as quais as obras foram escritas, são nobres, gente pertencente a
uma corte, isto é a corte da condessa Marie de Champagne (c.1174-1209):
para a qual Chrétien de Troyes (c.1135-c.1191):
escreveu seus primeiros romances de cavalaria, entre eles "Lancelot":
(ilustração medieval de um episódio da vida de Lancelot)
São todos eles tirados das estórias do rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda cuja
versão mais antiga que se conhece, em forma escrita, data do século VIII.
Essas estórias já eram bem conhecidas na França na segunda metade do século XII e nos seus romances
Chrétien se mostra um notável complicador da literatura, um notável inventor de tramas complexas, pois,
às estórias de aventura presentes nos contos originais acrescentou o problema amoroso ou, como diríamos
hoje, romântico: Lancelot dividido entre sua paixão pela rainha Guinevere e a lealdade para com seu senhor,
o rei Arthur, marido de Guinevere.
Depois apareceram outros romances, de outros autores e em outros idiomas Eis aí a origem do uso hodierno
das palavras "romântico" e "romantismo".
Mas, como esse gênero literário surgido na Idade Média se tornou o nome de um estilo de época e de um
período da história da arte?
II
De volta ao futuro
Façamos nossa viagem de volta ao futuro.
O ano é 1789. O trágico acontecimento da Revolução Francesa gerou duas atitudes naqueles que foram
afetados por ela: a melancolia pela saudade de um mundo que a Revolução fez desaparecer, e a
mentalidade liberal.
A França do final do século XVIII ainda conservava a organização política herdada da Idade Média.
a Igreja Católica era dona de muitas terras que cedia gratuitamente aos camponeses evitando assim
tanto o problema da fome como o problema do desemprego.
Os revolucionários de 1789 confiscaram as terras da Igreja, gerando assim a fome mas também a
melancolia, o saudosismo melancólico, expresso, por vezes, numa atitude que podemos chamar de
"medievalismo".
Quer isso dizer uma atitude de admiração e um gosto por tudo o que é ou parece medieval, e por tudo
o que vem daquele período que nossos livros de História chamam Idade Média. Atitude perfeitamente
contrária a dos iluministas do século XVIII, para os quais os séculos chamados Idade Média foram o pior
período da história da humanidade.
Os medievalistas do século XIX descobriram na Idade Média as epopéias heróicas, a poesia dos trovadores
e o romance cortês. Deram aquela tensão entre melancolia e revolta, visível em seus contemporâneos,
o nome de romantismo, porque os fazia lembrar aquela outra tensão entre lealdade e paixão amorosa,
presente nos romances de cavalaria medievais (4).
Assim o termo romantismo quando usado na história da arte tem sentido analógico. Significa um
comportamento como o dos personagens dos romances medievais, um comportamento que expressa
uma tensão interior, a tensão entre a melancolia e a revolta, dois aspectos psicológicos correspondentes
a duas formas de romantismo, de um lado um romantismo conservador, de outro, um romantismo
revolucionário.
Romantismo conservador e romantismo revolucionário:
É o romantismo conservador o aspecto ou melhor, a forma de romantismo, contrária a ideologia
da Revolução Francesa.
Esse romantismo conservador não pode ser absolutamente identificado com o romantismo medievalista:
eram medievalistas alguns representantes do romantismo revolucionário como o músico alemão Richard Wagner,
que encontrou na literatura medieval os temas de seus dramas musicais:
"A cavalgada das Valquírias", início do III ato da ópera "As valquírias, de Richard Wagner.
O tema do anel dos nibelungos, título da tetralogia da qual essa ópera faz parte, Wagner o encontrou
na literatura medieval, na "Canção dos nibelungos", escrita, segundo informam minhas fontes,
entre 1190 e 1200. Outras lendas medievais como Tristão e Isolda e Percival e os Cavaleiros do Santo Graal
também foram transformadas em ópera por Wagner (5).
Na verdade, Wagner assim como o pintor e poeta William Blake:
(retrato de William Blake feito por Thomas Phillips)
não é representante nem do romantismo conservador, nem do romantismo revolucionário. Ambos são
representantes daquela tensão de que falei anteriormente e que define o romantismo. Wagner é ao mesmo
tempo um medievalista nos seus dramas musicais e um revolucionário nos seus escritos como ensaísta,
Blake é, numa só pessoa, um místico e um gnóstico revolucionário. Foi um grande ilustrador:
(Dante e Beatriz no Paraíso. Uma das ilustrações de Blake para o poema "A divina comédia",
de Dante Alighieri)
No misticismo de Blake se revela o lado melancólico do romantismo, no seu gnosticismo o lado revolucionário.
Aliás, havia dito no capítulo anterior que a Revolução de 1789 não foi romântica e que os homens que no século
XIX tentaram realizar a ideologia dos revolucionários de 1789, que simpatizaram com esse ideal, também não
eram românticos.
Mas isso se entende apenas do romantismo conservador. Não do romantismo revolucionário, que é um aspecto
da obra de Blake e do qual um puro representante entre os pintores talvez tenha sido Eugene Delacroix:
Mas, está certo dizer que Delacroix era um amigo da Revolução de 1789?
("A liberdade guiando o povo", obra de Delacroix)
A obra acima não foi inspirada pela Revolução de 1789, mas pela Revolução ocorrida em julho de 1830, também
na França. Essa, assim como a de 1789, foi uma revolução liberal. Como tal teve como principal característica
a rejeição do reinado social de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Surgiu do liberalismo que os
revolucionários de 1789 e 1830 quiseram obrigar todos a aceitar. Liberalismo é um outro nome para
anti-cristianismo social e político. Não por acaso poucos dias antes da revolta de julho de 1830 ocorreu
a primeira das aparições da Santíssima Virgem Maria a Santa Catarina Labouré:
(Santa Catarina Labouré conversando com a Santíssima Virgem)
Nela a Virgem avisou a humilde freirinha que a França estava prestes a passar por tempos difíceis. Obra do
liberalismo (6). Seguindo a cronologia que diz que essa moda chamada romantismo surgiu como reação a
Revolução de 1789, foi interrompida pelo Congresso de Viena de 1815, retornou com a revolução de 1830 para
se tornar uma moda antiquada a partir de 1848, o ano de 1830 aparece como um ano de um renascimento do
romantismo (7). /
Porém essa cronologia vale apenas para o romantismo liberal, não para o conservadorismo romântico.
Ambos os romantismos se distinguem por sua relação histórica com as ideias iluministas.
Em seu aspecto revolucionário, liberal, o romantismo é uma continuidade do iluminismo.
Contrário ao iluminismo (e a Revolução Francesa) é o romantismo conservador, o romantismo de Edmund Burke, que se prolongou no século XX com autores como o escritor J.R.R Tolkien e do
qual um representante na história da pintura parece ter sido Caspar David Friedrich,
(auto-retrato de Caspar Davi Friedrich)
cujo lugar na história da pintura parece ser comparável ao de Brahms na história da música;
("A cruz na montanha", obra de Caspar Davi Friedrich)
Ora, a tensão romântica entre revolta e melancolia saudosista as vezes se torna insuportável. Um romântico
conservador é aquele que, não suportando essa tensão, opta pela melancolia. No entanto, a melancolia apenas
reprime a revolta. A tensão continua dentro da alma do romântico. Se não fosse assim, não seria um romântico.
Em arte isso se manifesta em um estilo em que a forma é clássica e a expressão romântica. É o caso de Brahms
na música e de Caspar David Friedrich na pintura. Vemos em ambos a mesma intensidade emotiva, as vezes
violenta, dentro de linhas firmes e severas. Expressão romântica dentro de uma forma clássica. Parece que
além da oposição entre romantismo revolucionário e romantismo conservador que diz respeito a atitude do artista
perante a vida, há ainda uma outra oposição, relativa ao estilo das obras, entre um romantismo classicista, que
é o de Caspar David Friedrich e um romantismo barroco, do qual talvez o maior representante tenha sido William
Turner:
(auto-retrato de William Turner)
(Tempestade no mar, obra de William Turner)
O romantismo classicista, tentativa de uma arte clara na forma e intensa na expressão,
acaba levando ao idealismo em arte; somente no mundo das ideias é que tudo adquire clareza.
Já o romantismo barroco, tentativa de uma arte na qual a obscuridade da forma está a serviço
da sinceridade e da intensidade da expressão, leva a um existencialismo em arte. Das formas
de pintura que apareceram no final do século XIX e no século passado algumas surgiram do
romantismo classicista, outras do romantismo barroco, enquanto outras são uma tentativa de
conciliação dos dois romantismos. Cronologicamente falando o primeiro desses estilos do
pós-romantismo foi o realismo, do qual trato no próximo capítulo.
Notas explicativas e fontes:
Notas:
1. A Canção de Rolando trata da participação de Roland (ou Rolando), sobrinho do imperador Carlos Magno,
na luta dos francos contra os mouros. O "Poema de Mio Cid" trata das aventuras e desventuras de um senhor
feudal na época do domínio mouro na Espanha. Para os interessados em história da literatura e em linguística
é possível encontrar aqui: https://www.hs-augsburg.de/~harsch/gallica/Chronologie/11siecle/Roland/rol_ch00.html e aqui: https://www.hs-augsburg.de/~harsch/hispanica/Cronologia/siglo12/Cid/cid_poe0.html edições da "Canção de Rolando" e do "Poema do Mio Cid" nas línguas em que esses poemas foram
originalmente escritos. Uma tradução em inglês da "Canção de Rolando" pode ser lida aqui:
https://gutenberg.org/cache/epub/391/pg391.html E uma tradução do "Poema do Mio Cid" em castelhano moderno pode ser lida aqui:
2. Uma tradução do "Under der linden" do alemão medieval para o inglês moderno pode ser encontrado no
artigo referente na Wikipedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Under_der_linden.
3. Do poema de Bernard de Ventadorn é possível encontrar uma tradução para o inglês, ao lado do original
em provençal, aqui: https://lyricstranslate.com/pt-br/can-vei-la-lauzeta-when-i-see-lark.html
4. Uma edição da "Canção dos nibelungos" em alemão medieval pode ser encontrada aqui:
https://www.hs-augsburg.de/~harsch/germanica/Chronologie/12Jh/Nibelungen/nib_intr.html. Na Wikipedia em inglês encontram-se alguns links para traduções ao inglês moderno. A respeito da literatura
medieval recomendo a leitura do capítulo referente ao tema no livro "Luz da Idade Média" da historiadora francesa
Régine Pernoud.
5. Essa afirmação, bem como outras desse texto, é apenas provável, isto é, hipotética. Não disponho de fontes
de primeira mão para afirmar cientificamente o uso da palavra romantismo pelos medievalistas do século XIX.
6. Não foi simplesmente por causa da iminente deposição do rei da França Carlos X que a Santíssima Virgem
se manifestou para Santa Catarina. A Mãe de Deus não iria aparecer na Terra simplesmente por causa da deposição
de um monarca. A França vivia o período da Restauração. Mas, essa Restauração, ao contrário do que dizem os
livros de História que conhecemos não era apenas a restauração de uma casa real, a dos Bourbons, como família
reinante. Era a Restauração, na França, do reconhecimento de que deve haver um reinado social e político de
Nosso Senhor Jesus Cristo: Cristo é o verdadeiro Rei de todos os países. Os reis, presidentes, primeiros-ministros,
tem apenas o dever de serem seus representantes. A Santíssima Virgem previu que essa Restauração iria terminar e
que a França iria entrar em um período de rejeição do reinado social e político de Nosso Senhor. Pela propaganda,
que inclui a tradução de livros, o "liberalismo" seria difundido na Europa e fora da Europa. Porém essa rejeição
do reinado social e político de Jesus Cristo planejada pelo quartel-general do Inferno serviria para o mesmo quartel
propor outra solução para os intelectuais e esses para os governantes: o comunismo ateu. O papa Pio XI em uma
de suas encíclicas
https://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370319_divini-redemptoris.html) já alertava que o "liberalismo" foi uma das causas do surgimento do comunismo ateu e, por consequência, de
toda miséria e sofrimento que essa ideologia, uma vez posta em prática, legou a vida humana.
Para terminar essa digressão, a aceitação do reinado social e político de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo não
impede que cada pessoa faça suas escolhas de acordo com a razão previdente, inclusive em matéria de religião.
Fazer uma escolha de acordo com a razão previdente é fazê-la prevendo, na medida do possível, as consequências
para si e para os outros, rejeitando as escolhas que a razão previdente mostrar que terão consequências ruins.
Quando Nosso Senhor disse "afastai-vos de mim vós que praticais a iniquidade. Nem todo aquele que me diz
'Senhor, Senhor,' entrará no reino dos céus, mas somente os que fazem a vontade do meu Pai que está no Céu"
(São Mateus 7, 21.23) era disso que ele estava falando. Fazer a vontade do Pai do Céu quer dizer tomar decisões
de acordo com a razão previdente ou, se o leitor preferir assim chamar, de acordo com a consciência, rejeitando
as escolhas de más consequências para si e para os outros.
7. Essa cronologia é oferecida por Otto Maria Carpeaux na sua "História da literatura ocidental"
8. Dessa mesma obra tirei os termos romantismo revolucionário e romantismo conservador.
Fontes bibliográficas:
1. História da literatura ocidental, de Otto Maria Carpeaux
2. História da arte, de E.H Gombrich
3. O livro de ouro da história da música, de Otto Maria Carpeaux
4. Luz da Idade Média, de Régine Pernoud
5. A Wikipedia
6. As imagens foram tiradas do google e da wikipedia e os vídeos do youtube.
Capítulo XIV: A pintura realista pós-romantismo
Introdução
O capítulo a seguir trata de um estilo de pintura que foi chamado de realismo assim como a literatura da mesma
época. Nele o chamado realismo aparece como uma representação de uma situação humana surgida por causa ]
das revoluções de 1789, 1830 e 1848. Exponho a teoria que todos nós aprendemos da origem dessas revoluções
para depois mostrar a falsidade da mesma. Em seguida relaciono o realismo com a situação humana que essas
revoluções geraram. No final, após brevíssima apreciação desse estilo chamado realista, apresento algumas
obras e faço a ligação com o tema do próximo texto.
Realismo e revolução
Se as revoluções de 1789 e 1830 tinham sido revoluções liberais contra os poderes tradicionais; a Igreja
Católica e as Monarquias, na chamada “Primavera dos Povos” de 1848 surgiu um outro inimigo dessas
duas forças civilizacionais, o comunismo materialista e ateu.
É claro que a expressão “Primavera dos povos” só pode ter sido inventada por historiadores esquerdistas
que no fazer História subordinam as fontes à teoria.
A teoria no caso é aquela que diz que a classe política, classe dominante, sempre governa com o total
apoio da autoridade religiosa e clerical, de um clero conservador, que, com sua retórica religiosa,
convence os governados, classe dominada, a continuar sendo classe dominada. Segundo essa teoria de
tempos em tempos aparecem intelectuais amigos do povo, que alertam a classe dominada, fazem a
realidade da opressão surgir na consciência do povo, que então se revolta contra a classe política e seu
aliado, o Clero.
A verdade histórica é bem diferente, a pesquisa historiográfica mostrou que antes da Revolução de 1789
a Igreja cedia terras suas para camponeses que não tinham condições de adquiri-las.
Porém a Igreja tinha seus inimigos e até inimigos internos
Uma encíclica do Papa Pio VI, datada de 1793, denuncia e condena atitude de um homem que se fez passar por
bispo de uma diocese da França e recorda aos verdadeiros prelados da Igreja o dever que tem de cuidar bem das
almas postas aos seus cuidados.
O romano pontífice não menciona outras casos assim o que nos permite concluir que foi o único na França já
vítima da Revolução.
De qualquer forma o referido caso mostra que a Igreja Católica tinha inimigos dentro dela.
E a advertência do Santo Padre aos prelados franceses permite pensar que o clero da França
era um clero negligente. De onde viria essa negligência?
Em 1767 aconteceu a supressão da ordem jesuíta da França. Com isso a Igreja de Cristo perdeu o
seu maior aliado em sua luta para manter viva na França a fidelidade ao Santo Padre e ao clero, fortaleceu-se
o anti-clericalismo, quer dizer, o clericalismo sem fidelidade ao papa. Assim se explica o caso denunciado
por Pio VI.
E também a negligência do clero francês, que ajudou os mentores da Revolução anti-católica de 1789 a fazer a
Igreja parecer uma inimiga do povo.
A Revolução de 1789 foi uma revolução contra a Igreja Católica, feita para expulsar o catolicismo da
França. Foi uma revolução anti-monarquia por ser anti-católica. Os mentores da Revolução viam a
monarquia como o mais forte escudo da Igreja. Por isso a odiavam.
E não apenas a monarquia mas qualquer regime político pró-Igreja Católica.
Assim foram também as revoluções de 1830 e 1848. O resultado delas não foi um mundo melhor, mas o
crescimento da injustiça, da miséria e da loucura presunçosa travestida de Ciência retratadas em obras literárias
como o romance “Crime e Castigo” de Dostoievski e o conto “O alienista”, de Machado de Assis.
A pobreza e a miséria aumentaram. Chamaram a atenção dos artistas. Na pintura essa triste situação se revela em
obras cuja beleza está em serem expressões da capacidade de olhar para aquele que sofre, reconhecê-lo e sentir
com ele.
São pinturas de um realismo austero, poder-se-ia dizer, de um realismo franciscano:
(Mulheres peneirando trigo, obra de Gustave Coubert)
(Os quebradores de pedras, de Gustave Coubert)
(As catadoras, obra de Jean-François Millet)
("O Angelus" de Jean François-Millet. Com o título extraído de uma das práticas
devocionais católicas em honra a Santíssima Virgem essa obra mostra a religiosidade simples e sincera dos
pobres da França na década de 1850. Uma inteligente interpretação da obra pode ser encontrada aqui: https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/angelus-jean-francois-millet/
(O violeiro, obra de Almeida Júnior, um dos representantes da arte realista no Brasil)
Conclusão, passagem para o impressionismo
Os pintores "realistas" buscavam uma pintura de intensidade e sinceridade,
porém, educados nos princípios da pintura clássica, quiseram alcançar isso
por um estilo de clareza na forma. Seu realismo é realista na matéria e idealista na forma.
Parece que foi Van Gogh o primeiro a chegar a conclusão de que a intensidade e a sinceridade
da expressão exigem um obscurecimento formal. Os "realistas" não deram esse passo, tampouco
os adeptos de outro realismo, surgido no início da década de 1870, um realismo inspirado na então
nova arte da fotografia e na pintura do Extremo-Oriente e com influência do realismo elegante de
Édouard Manet (falarei dele no próximo capítulo, se Deus quiser) e no pré-impressionismo do romântico
William Turner; é o impressionismo de Monet, Degas e Renoir, tema do próximo texto.
Fontes:
1. Imagens do google
2. Memórias de leituras e de aulas
3. A informação sobre a supressão da Ordem Jesuíta da França foi tirada da História da literatura ocidental do
Otto Maria Carpeaux
4. A encíclica do papa Pio VI mencionada no texto pode ser lida aqui: https://www.vatican.va/content/pius-vi/pt/documents/enciclica-ad-nostras-manus-31-luglio-1793.html
Capítulo XV: A pintura impressionista
Esse capítulo sobre o impressionismo se divide em 3 partes. Na primeira procuro afastar o que me parece um
erro, que é a associação, encontrada em certos textos, do impressionismo com a filosofia positivista. Na
segunda trato das fontes do impressionismo que (segundo minhas pesquisas) são: a pintura japonesa de
orientação e inspiração zen-budista, a arte da fotografia (novidade na época), o realismo de Édouard Manet
e a pintura romântica de William Turner. Por fim faço a transição para o tema do próximo capítulo, que é o
pós-impressionismo, procurando relacionar o impressionismo com a situação global de sua época.
1. Impressionismo e positivismo
Certos textos introdutórios da história do impressionismo procuram estabelecer uma ligação desse estilo
com o positivismo. Parece que tal associação vem de um conceito errado de positivismo: Pensa-se que um
cientista positivista é aquele que se limita a a observar e descrever com precisão. Um pintor impressionista
seria então, segundo essa maneira de pensar, um positivista que ao invés de descrever com palavras o faz com
figuras e cores.
Se o positivismo fosse simplesmente isso teríamos que dizer que Santo Alberto Magno
(Santo Alberto de Colônia):
o santo padroeiro dos cientistas naturais, que se dedicou a observar fenômenos naturais e fazer
descrições era um positivista (1). Positivista seria também Aristóteles,
o descobridor da metafísica clássica do Ocidente (2).
A associação do impressionismo com o positivismo não está de acordo com a realidade, não apenas
porque se baseia num mau conceito de positivismo (3) mas também porque parece ignorar o fato de que a
proposta dos pintores desse estilo era registrar o momento, como uma crônica escrita sem palavras.
Se for para associar essa pintura que procurar registrar o momento, o impermanente, com uma alguma
filosofia faz muito mais sentido associá-la com o budismo.
Aliás, o budismo é, indiretamente, uma das fontes da pintura impressionista.
2. As fontes do impressionismo:
A pintura impressionista teve 4 fontes diretas: a pintura japonesa de inspiração budista, o realismo de
Édouard Manet, a recém inventada arte da fotografia e o romantismo de William Turner
O impressionismo e a pintura japonesa de inspiração budista
O estilo impressionista tem em comum com a pintura japonesa de inspiração budista a suavidade da
pincelada:
Paisagem, obra do pintor japonês Sesshu Toyo (1420-1506)
É uma maneira de mostrar que o que está sendo representado é o momento, o impermanente, o
fugaz.
O budismo é essencialmente método (4) e no método zen-budista há uma insistência em falar da
impermanência dos fenômenos. Segundo a doutrina zen através da prática do zazen o praticante
do zen-budismo testemunha os pensamentos e, praticando o nobre caminho óctuplo, se mantém
atento a mente ou intelecto que os observa se libertando assim do ciclo de nascimentos e mortes
e atingindo a paz da contemplação (o Nirvana). Daí o porquê de ser a pintura japonesa de
orientação e inspiração zen-budista uma pintura de cenas e momentos, de expressão suave,
para evocar não apenas a fugacidade do momento representado mas também a serenidade da
mente contemplativa.
Essas são as principais características dessa pintura japonesa e pelo menos os 3 maiores pintores
do impressionismo se inspiraram nela, isto é, quiseram trazer algo da forma típica da pintura
japonesa de inspiração zen-budista para suas obras.
Não se tratou de mera influência, de trazer elementos isolados dessa pintura japonesa, como
dizem alguns textos sobre o japonismo (5), mas de inspiração, de trazer algo da forma dessa
pintura, isto é, a pincelada, que na pintura impressionista tende para a suavidade:
(A ponte japonesa, obra de Claude Monet)
Passeio no barco, obra Pierre-Auguste Renoir
Ensaio de balé, obra de Edgar Degas
(Dia de verão, obra de Georgina Albuquerque, pintora impressionista brasileira)
Essa escolha era parte da metodologia usada pelos pintores impressionistas para realizar um estilo que
lhes parecia realista. Porém o realismo que buscavam em suas pinturas não era o realismo franciscano
de Coubert e Millet de que tratei no capítulo anterior, mas o realismo de Édouard Manet, de quem eles
não receberam apenas influência, como havia dito no último capítulo, mas também inspiração:
(Música no Jardim das Tulherias, obra de Édouard Manet)
(A Primavera, obra de Manet)
Pois nas obras de Manet é possível ver uma suavização das formas, em comparação com o realismo de Coubert e
Millet.
Os impressionistas e a arte da fotografia
Manet nasceu em 1832, 6 anos depois do surgimento da arte da fotografia. Ora, esse método de registrar a
realidade visível tem como efeito justamente a rarefação das formas. De fato, a imagem que sai numa foto
apresenta uma certa rarefação com relação ao objeto. E isso porque a fotografia capta a forma visível da
coisa mas não a matéria densa. É provável, embora não certo, que Manet tenha querido trazer para suas
pinturas essa qualidade da arte fotográfica. E também os impressionistas. Mas não é fácil saber se a
inspiração veio da recém inventada arte da fotografia ou da pintura japonesa de orientação zen-budista.
Ambas tem em comum o fato de existirem para captar o momento, fixar o impermanente, como uma
crônica escrita com imagens.
O impressionismo é uma arte (ao menos pretensamente) objetiva. Alguns diriam que é uma arte
científica, nas quais o pintor se propõe imitar fielmente em sua tela o que vê, evitando deixar sua
subjetividade interferir. Daí aquela associação indevida com o positivismo. É bem conhecido o
fato dos impressionistas terem resolvido deixar seus estúdios, seus ateliês, para se dedicarem a
pintura ao ar livre.
Pintura objetiva, científica. Crendo que as linhas que vemos nas coisas são obra da subjetividade
humana alguns impressionistas chegaram a conclusão que a pintura deveria ser sem linhas.
Pesquisando para encontrar um outro modo de construir as figuras chegaram a técnica do
pontilhismo, nas quais as figuras não são constituídas por linhas, mas por pontos:
(Paisagem, obra de Georges Seurat um dos primeiros pintores a usar a técnica pontilhista)
Os impressionistas e a pintura romântica de William Turner
Ora, não é isso tomar o subjetivo por objetivo? Os objetos visíveis são constituídos de pontos que se agregam
para formar suas figuras ou de linhas (6)? Parece que os adeptos do pontilhismo viam a pintura não como
aplicação da geometria, mas como aplicação da física. Não parecem terem sido os primeiros. Algo assim
aparece também na obra de William Turner:
(Tempestade no mar, obra de William Turner)
Na obra de Turner a representação do movimento é representação da impermanência das coisas. Sua proposta é
a mesma dos impressionistas (e dos pintores zen-budistas) mas a maneira de fazê-lo o aproxima mais dos
pós-impressionistas, sobretudo de Van Gogh. Pode-se dizer que a obra de Turner é a ponte que levou a pintura
do impressionismo para o pós-impressionismo.
3. Passagem para o pós-impressionismo:
O surgimento do pontilhismo em pintura se deu por volta de 1880. Esse modo de construir figuras parece ser
uma aplicação à pintura da teoria atomista segundo a qual os seres são feitos de átomos que se agregam para
constituir suas formas. 21 anos antes do surgimento do pontilhismo, mais de 10 anos antes da primeira obra
impressionista, fora publicada a obra de Darwin, "Sobre a origem das espécies". Ora, parece que a teoria
evolucionista não poderia ter sido elaborada se antes já não existisse a teoria atomista que tende para o
evolucionismo e, se um estilo proposto de pintura está sempre de acordo com uma cosmovisão sendo
expressão dessa cosmovisão, somos tentados a concluir (talvez indo parar longe da realidade) que os
adeptos do pontilhismo em pintura eram também adeptos do atomismo em física e simpatizantes do
evolucionismo em biologia. O pontilhismo seria o atomismo em pintura, fazer da arte pictórica uma
aplicação da física atômica, enquanto que os pintores tradicionais, que usavam linhas para formar figuras,
teriam tratado a pintura não do ponto de vista da física mas do ponto de vista da geometria. Nessa
interpretação os impressionistas pré-pontilhismo, impressionistas clássicos, como Monet, Degas,
Renoir e outros aparecem não como os iniciadores de uma nova era na história da pintura, mas como
os últimos representantes de uma longa tradição, a da pintura linear.
A verdade histórica porém é que essa tradição perdurou. Permanece até hoje. E os impressionistas
clássicos com sua técnica de pintar com pinceladas breves estavam se aproximando do pontilhismo.
Por trás da serenidade paradisíaca das Nenúfares de Monet:
se esconde uma tensão. Pois o impressionismo é, na história da pintura, a ponte entre o antigo e o moderno.
Parece ser um sinal das tensões de sua época: é a época das disputas entre potências européias por territórios na
Ásia e na África, do "neocolonialismo", disputas que, junto com outros fatores, levarão, décadas depois, a
Primeira Guerra Mundial. É a época também em que os progressistas italianos e alemães desejosos de
unificarem os estados que ocupavam os territórios da Itália e da Alemanha conseguiram realizar seu intento.
Com isso a cristandade perdeu quase todos os territórios que tinha na península italiana, os Estados
Pontifícios ou Estados papais, sobrando-lhe apenas o Estado do Vaticano. Houve reação por parte da
Igreja: a excomunhão do rei da Itália, Vitor Emanuel II, por parte do Beato Pio IX, que também
proibiu os católicos italianos de participarem da vida política do recém fundado país (7). Entre
1870 e 1871 ocorreu a Guerra Franco-Prussiana, por causa da qual o imperador francês Napoleão III
foi obrigado a retirar suas tropas que estavam em Roma protegendo o papa (por estratégia política).
Destituído desse apoio, a Santa Sé não pôde resistir aos rebeldes liderados por Garibaldi; o papa
foi obrigado a encerrar os trabalhos do Concílio Vaticano I, que definiu a infalibilidade do papa
em matéria de doutrina e moral como dogma de assentimento obrigatório para todos os católicos,
que condenou tanto como o comunismo como o liberalismo, tanto o racionalismo como o fideísmo (8).
Seu sucessor, Leão XIII, autor da encíclica Rerum Novarum, e que aprovou a participação de católicos
em sindicatos, pôde viver para ver a escravidão abolida legalmente no Brasil (parabenizou a princesa
Isabel pela decisão. (9). Houve reação por parte dos escravagistas; se aliaram aos republicanos para a
efetivação do golpe de Estado ocorrido em 15 de novembro de 1889. Instituída a República foi também
instituído um governo militar de orientação e inspiração positivista. A escravidão, porém, não retornou,
pelo menos não legalmente.
Nos primeiros anos da República, a Revolta da Armada no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul a Guerra Civil
que conhecemos pelo nome de Revolução Federalista foram a explosão de uma tensão que havia desde o tempo
do Império e mesmo antes da "Independência"; a tensão entre os defensores da diminuição do poder central para
o aumento do poder local e os defensores da diminuição do poder local para aumento do poder central. Assim, o
Brasil conheceu verdadeiras guerras de Secessão como a Inconfidência Mineira, a Guerra dos Farrapos e outras.
Guerra de Secessão foi também o conflito ocorrido no norte da América entre 1861 e 1865, que opôs os estados
do sul aos estados do norte dos Estados Unidos da América e que conhecemos como Guerra Civil Norte-Americana.
Do outro lado do planeta tensão na China e no Japão entre os favoráveis e os desfavoráveis a abertura dessas
antigas civilizações ao Ocidente. Com o contato entre Ocidente e Oriente o conhecimento da arte
Extremo-Oriental (não só da pintura) foi levado para a Europa. E essa arte encantou e inspirou os
artistas ocidentais por suas qualidades típicas. Vejamos alguns exemplos:
Na música:
(exemplo da música tradicional da China. Certos compositores clássicos ou eruditos ocidentais
depois de conhecerem a música clássica do Extremo-Oriente passaram a usar em suas composições
musicais escalas e modos da música extremo-oriental)
Na pintura:
Paisagem, obra do pintor chinês Ma Yuan (1190-1270)
Na arte da gravura:
Concerto musical, gravura japonesa, obra de Myagawa Choshun (1683-1753).
Observação: A gravura não era uma arte exclusiva do Oriente. Na época do surgimento do Impressionismo,
o Ocidente já havia tido grandes gravuristas como os alemães Martin Schongauer:
(O nascimento do Salvador)
e Albretch Durer:
(A batalha entre São Miguel Arcanjo e o Dragão)
porém a julgar pelo exemplo colocado acima a arte da gravura no Japão é de uma delicadeza que pode ter
inspirado os mestres do impressionismo. Pela sua delicadeza tal arte se aproxima de outra arte Extremo-
Oriental admirada no Ocidente, a cerâmica chinesa:
Tornando-se conhecida, até popular, no Ocidente, a arte Extremo-Oriental contribuiu essa
para formar o deleitoso período conhecido como a "Belle Époque" cuja duração pode ser
colocada entre o fim da Guerra Franco-Prussiana e o início da Primeira Guerra Mundial.
Essa "bela época" é o tempo de grandes e importantes descobertas, que facilitaram a vida
do ser humano na Terra, como a luz elétrica e o telefone. Porém o Homem dessa época
não soube orientar essas descobertas para seu primeiro princípio; Deus, que é o fundamento
e princípio da inteligência humana. Ao invés disso se entregou a adoração de si mesmo.
Cegado pelo orgulho de si mesmo não percebeu o que estava para acontecer.
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Quando foi exposta ao público a primeira obra impressionista a Belle Époque estava no início. Nesses 43
anos o impressionismo começou sendo rejeitado pelos críticos para depois se tornar o estilo padrão. A partir
de 1880 surgiram outros estilos: pós-impressionismo, simbolismo, fauvismo, expressionismo, etc.
O impressionismo, porém, nunca foi esquecido, e sua presença se estende para além da pintura. Sem que se
possa dizer que os poetas parnasianos eram impressionistas se pode dizer que a poesia parnasiana tem em
comum com o impressionismo ser (ou pretender ser) uma poesia objetiva:
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármore luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.
Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.
Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa. ("O vaso chinês", poesia parnasiana de Alberto de
Oliveira)
Impressionista também é, porque mais sugere do que expõe claramente, a música do compositor francês
Claude Debussy (1862-1918):
Como a música de Debussy, na história da arte o impressionismo é o mar que liga o oceano
da tradição com o oceano da modernidade. Os representantes do chamado pós-impressionismo,
Van Gogh, Gauguin, Cézanne, e outros são assim os primeiros pintores modernos. Sua arte é o tema do
próximo capítulo.
Fontes, método e notas explicativas:
1) Sobre Santo Alberto como padroeiro dos cientistas:
https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2010/documents/hf_ben-xvi_aud_20100324.html
A propósito, é dele a frase "o objetivo da filosofia natural é não apenas aceitar as afirmações dos outros, mas
investigar as causas que estão em ação na natureza".
2) A "Metafísica" (literalmente "além da física") de Aristóteles é um conjunto de textos que receberam esse nome
de Andrônico de Rodes, primeiro editor das obras completas do Filósofo. Tratam do ser enquanto ser, não do
ser enquanto indivíduo, enquanto membro de uma espécie ou de um gênero, mas enquanto ser. Por tratar disso
tratam também do conhecimento enquanto conhecimento e também de teologia.
3) Os positivistas propõem fazer uma Ciência sem Metafísica. Porém isso é impossível, pois todo pensamento
a respeito do que é o ser enquanto ser é um pensamento metafísico e é impossível fazer Ciência sem ter um
pensamento assim. Por isso o positivismo, ainda que na teoria seja Ciência sem Metafísica, na prática se
baseia numa metafísica da qual os próprios positivistas são inconscientes. É uma metafísica diferente da
aristotélica pois se baseia no pressuposto de que há leis naturais (na metafísica de Aristóteles não há leis naturais,
apenas hábitos da natureza). Além disso, o positivismo nega que seja possível o conhecimento das causas e julga
que a Ciência existe para o conhecimento e comunicação das leis da natureza, entre as quais está a lei do progresso
que os positivistas, sem se darem conta disso, dizem ser a causa das mudanças no Tempo. Ora, os
impressionistas enquanto impressionistas não queriam conhecer e comunicar leis da natureza mas representar
momentos. Daí o porquê de ser inadequada a associação do impressionismo com o positivismo.
4) Sobre o budismo como método ver:
5) Japonismo: É tanto a presença de características da arte japonesa na arte ocidental como o nome de
uma atitude de alguns artistas ocidentais. Japonistas foram Monet, Degas, Renoir, Van Gogh, Pissarro:
Alfred Stevens
e outros
6) Deixei a pergunta sobre se as coisas são feitas por linhas ou por pontos para o leitor responder por si mesmo.
Para mim é uma mera questão de perspectiva.
7) Sobre a atitude dos papas da Igreja Católica com relação a tomado dos Estados Pontifícios na unificação
italiana recomendo a leitura do livro "História dos papas" de Charles A Coulombe, que foi publicado pela
editora "Minha Biblioteca Católica".
8) Fideísmo: É a doutrina contrária ao racionalismo e diz que não é possível conhecer Deus com a razão natural. Segundo a doutrina da Igreja Católica certos atributos de Deus, incluindo sua realidade, podem ser conhecidos pela luz natural da razão e outros somente pela luz sobrenatural da graça que chega a nós por meio de uma revelação divina e cuja aceitação é chamada de fé.
9) Leão XIII não apenas parabenizou mas também premiou a princesa Isabel. A respeito ver:
https://clarissas.net.br/?p=1627
10) Utilizei como fontes utilizei imagens do Google imagens e da Wikipedia e também vídeos
do youtube
11) O método usado foi o da comparação das obras entre si e dessas com textos sobre o impressionismo
disponíveis na Internet
12) Leitura recomendada: A História da arte, de E.H. Gombrich
Capítulo XVI: A pintura do pós-impressionismo ou do primeiro modernismo
As obras impressionistas trazem em si uma tensão, alguns até diriam uma contradição. Foram feitas para serem
representações objetivas, no entanto revelam também um gosto por enfatizar a cor, o que não pode ser sempre
feito sem que o objeto representado seja alterado. Já na década de 1880 alguns pintores notaram esse problema.
Como solução resolveram dar as costas para a objetividade e propor um estilo mais de expressão do que de
representação. Tais pintores foram chamados de pós-impressionistas.
Talvez a primeira coisa que chamará a atenção a quem comparar as obras dos impressionistas com a dos
pós-impressionistas é que, enquanto aqueles pareciam querer rivalizar com os fotógrafos, trazer qualidades
da fotografia para a pintura, a geração de Van Gogh, Cézanne e Gauguin quis fazer com a pintura o que a
fotografia não pode fazer.
Assim, focando apenas em um aspecto, enquanto a fotografia rarefaz o objeto, a observação das obras dos
pós-impressionistas faz pensar que tinham a intenção de tornar mais densas as coisas representadas.
(Vista do golfo de Marselha, obra de Paul Cézanne)
(O Cristo amarelo, obra de Paul Gauguin)
(Vaso com girassóis, obra de Vincent Van Gogh)
(O talismã, obra de Paul Serusier)
(Passeio na floresta, obra de Henri Rosseau)
(Vaso com violetas, obra de Henri de Toulouse-Lautrec)
A respeito da posição dos pós-impressionistas dentro das transformações que a arte da pintura sofreu no Tempo,
um estudo comparativo pode mostrar que a obra mostrada de Cézanne está mais próxima da pintura abstrata do
século XX do que do impressionismo. Aliás, há historiadores da arte que o julgam um precursor do cubismo:
(Fábrica no horto de Ebro, obra cubista de Pablo Picasso)
que pode ser considerado a ponte entre o pós-impressionismo e o abstracionismo do século XX.
Já a obra mostrada de Gauguin e outras obras do mesmo autor podem parecer mais próximas do
fauvismo do que do impressionismo:
(A dança, obra de André Derain, pintor fauvista)
(Taitianas com flores de manga, obra de Paul Gauguin)
(Jacó e o anjo, obra de Gauguin inspirada numa passagem do Gênesis)
Por sua vez a arte de Van Gogh, o mais conhecido e admirado dos pintores pós-impressionistas,
antecipou o expressionismo alemão:
(A noite estrelada, obra de Van Gogh. É muito interessante observar que o nome da
obra é "A noite estrelada" e não "Noite estrelada". Não se trata da representação da impressão de um momento
mas da expressão de uma idéia ou conceito. Há então, é o que parece, na história da arte, um caminho que vai de
Van Gogh para o expressionismo alemão e desse para a arte conceitualista):
(O grito, obra de Eduard Munch, o mais conhecido dos pintores do expressionismo alemão)
Conclusão. Passagem para o simbolismo
A comparação das obras desses pintores com as dos impressionistas parece dizer para nós que, quando chegamos
do outro lado dessa ponte que é o impressionismo, surge para nós um novo mundo. Parece ter havido uma
ruptura de modo que coube a essa ponte separar dois mundos antagônicos, a venerável tradição e a modernidade
subversiva e iconoclasta. No entanto os pós-impressionistas apenas queriam resolver um problema colocado pelo
impressionismo. Como solução para esse problema eles não propuseram outros métodos e técnicas para realizar o
mesmo propósito dos impressionistas. Simplesmente propuseram uma outro propósito para a pintura. Por que?
Por causa da percepção daquela tensão que há nas obras impressionistas. Como solução escolheram um caminho
que levará as várias formas de arte abstrata do século XX. E isso talvez não por gosto pela subversão mas por um
incômodo insuportável diante da incoerência. O significado do pós-impressionismo na história da arte é ser uma
revolta do subjetivo contra o objetivo. A proposta já não é mais representar com fidelidade algo do mundo exterior,
fora da mente, como se o pintor fosse um cientista que descreve com figuras, mas interpretar de acordo com como
as coisas aparecem na mente ou alma do artista. Será esse o caminho que a pintura tomará no final do século XIX
e na primeira metade do XX. Mas não nos adiantemos, se os pós-impressionistas queriam expressar como as
coisas externas à mente apareciam em suas almas, o que parece ser outro subjetivismo em pintura, o simbolismo,
propôs, ao invés disso, a expressão e comunicação de um mundo próprio da alma. É o tema do próximo capítulo.
Fontes e método
1. As principais fontes utilizadas foram imagens tiradas do Google imagens e da wikipedia e o livro
"A história da arte" de E.H. Gombrich
2. O método historiográfico que usei foi o da comparação das obras entre si e das obras com textos.
Capítulo XVII: A pintura simbolista
Introdução:
Esse capítulo cujo tema é um estilo artístico surgido no final do século XIX começa tratando do conceito de
símbolo. Porque chamar simbolismo um estilo de época é uma das maiores imprecisões da historiografia.
Foi necessário confrontar o significado desse termo "símbolo" com algumas obras do simbolismo oitocentista
para perceber o que elas têm de especial a ponto de constituírem um estilo próprio diferente de outros
simbolismos da história da arte. É um dos capítulos desse livro sobre história da pintura que mais
exigem do leitor um esforço para o entendimento. Isso pela necessidade que senti de subir e descer
a escada de Jacó, indo da arte para a metafísica e depois voltando para a arte. Exige esforço de
compreensão por parte do leitor. Para auxiliá-lo há as imagens com breves observações e comentários.
Os que têm algum conhecimento do simbolismo de finais do século XIX vão reparar a falta nele de
qualquer menção a poesia simbolista. Para ser sincero, falar dessa poesia não era absolutamente
necessário para o propósito desse capítulo. Não é um tratado.
O que é símbolo?
A arte simbolista, tal como o pós-impressionismo, aparenta ser uma revolta do subjetivo contra o objetivo.
Será que é assim mesmo?
Se formos fazer um estudo sobre o conceito de símbolo, para sabermos o que é um símbolo e aí podermos
chegar a conclusão se um estilo simbolista é mesmo um estilo de representação do subjetivo encontraremos
algumas definições bem interessantes.
Assim, a filósofa Edith Stein (Santa Teresa Beneditina da Cruz) define símbolo como a imagem indicativa que
não pode ser substituída por outra e que só admite uma interpretação. Já Suzanne K. Langer o define como uma
matriz de intelecções e Carpeaux como a expressão artística do inefável.
Símbolo e alegoria
Ora inefável, indizível, é o Ser Infinito, o Uno (ver nota no final do capítulo) que, por ser infinito, não pode
ser dividido pela metade ou qualquer outra fração e que, portanto, escapa a qualquer tentativa de análise,
compreensão e representação.
De fato, o Uno não pode ser representado mas pode ser indicado, apontado por imagens que, para isso, terão
que ter como principal característica serem imagens da singularidade de seres singulares. Um desenho que,
por exemplo, seja uma imagem de uma pessoa no que ela tem de singular será um desenho que aponta para
o Uno Primordial, para o Ser Infinito. Representando uma pessoa no que ela tem de singular paradoxalmente
uma imagem assim transforma o indivíduo representado em um universal. É, por causa da singularização na
representação, ao mesmo tempo indivíduo e espécie. É um singular universalizado.
Um símbolo é uma imagem que pela ênfase no que um indivíduo tem de singular é a imagem de um singular
universalizado . Ora, se olharmos para algumas pinturas "simbolistas" veremos que o que temos nelas não
são singulares universalizados mas representações de idéias:
(O cume, obra de Cesare Saccaggi, a figura centrada no centro com flores na mão é uma alegoria do
conceito de cume ou ápice)
O cíclope, obra de Odilon Redon. Os cíclopes são entes da mitologia grega
que aparecem, por exemplo, no poema Odisséia de Homero. Como o autor da pintura não
diz que cíclope ele representou nos é permitido concluir que a obra é uma alegoria de um conceito).
O poeta viajante, obra de Gustave Moreau)
A esperança, obra de George Frederic Watts
Não são símbolos, mas alegorias. Como podem ter os historiadores da arte errado assim?
Simbolismo ou alegorismo ?
Costuma-se datar a origem do estilo simbolista (ou sua pré-história) a partir da fundação da Fraternidade
Pré-Rafaelita em 1848. Tinham esse estranho nome porque diziam se inspirar na pintura anterior a de
Rafael Sanzio, isto é, na pintura italiana do Trecento (século XIV) e do Quattrocento (século XV). Aí
encontramos pinturas que são realmente simbolistas. Não temos nelas conceitos abstratos representados
mas singulares universalizados.
Também é assim com algumas pinturas dos pré-rafaelitas. Por exemplo:
Ofélia, obra de John Everett Millais
Miranda, obra de John William Waterhouse. Miranda é uma personagem da peça
"The tempest" (A tempestade"), de William Shakespeare. Então o que é representado nessa pintura não é um
universal abstrato mas um ente singular, concreto. A solidão da personagem na praia foi enfatizada fazendo
dela um símbolo.
Porém, assim como nem todas as obras pré-Rafael são simbolistas:
(Alegoria da Primavera, obra de Sandro Botticelli)
assim acontece também com certas obras dos pré-rafaelitas:
A noiva, obra de Dante Gabriel Rossetti. Pelo título não temos aqui um símbolo mas uma alegoria.
E o mesmo acontece com as pinturas simbolistas. Algumas são simbólicas e outras alegóricas:
A luz do mundo, obra de William Holman Hunt. O autor se inspirou numa
passagem do Evangelho de São João em que o Cristo diz "Eu vim como luz para o mundo" (João 8, 12)
para fazer de uma imagem do Cristo um símbolo, isto é, segundo uma bela definição de Carpeaux, uma
expressão artística do inefável. O personagem da pintura é singularizado pelo contraste entre a coroa de
espinhos na cabeça e a lâmpada que ele segura em sua mão direita. É como se o autor estivesse dizendo
que a luz do mundo é, injustamente, o que o mundo despreza, segundo aquelas palavras do Evangelho
"E a luz resplandeceu nas trevas, mas as trevas não a acolheram" (João 1, 5)
Cavalos de Netuno, obra de Walter Crane, Ao contrário da obra anterior,
aqui não há singularização de personagens. O que temos é a representação de uma idéia, uma alegoria.
Quer dizer, o que temos nessas obras (dos simbolistas) às vezes são símbolos, às vezes alegorias, de modo
que é inadequado tanto chamar esse estilo de simbolismo como de alegorismo. Chamarei de universalismo.
É uma forma de idealismo que às vezes representa ideias ou conceitos abstratos na forma de figuras, e às vezes
idealiza seres singulares, tornando-os universais.
Idealismo romântico
Mas também pode ser chamado de idealismo romântico. É um idealismo, mas, para entendê-lo, é necessário
olhar para trás. Os pré-rafaelitas surgiram em 1848. É um ano que marca o fim do período romântico na
história das artes. William Blake, de quem já falei anteriormente é um precursor desse idealismo romântico
que conhecemos pelo nome de simbolismo:
O Ancião de muitos dias, obra de William Blake. O tema da pintura foi tirado de uma passagem
do livro do profeta Daniel, na Bíblia (Daniel 7, 9-10)
Retrógados progressistas
Os simbolistas são românticos tardios sem serem contudo românticos conservadores. Seu papel na história
da arte não foi o de conservar um estilo. Querendo ser retrógados acabaram sendo progressistas. E isto,
infelizmente, não é um elogio. Pois o progresso feito pelos "simbolistas" foi da "arte pela arte" em
direção ao que hoje chamamos de arte conceitual, que é uma forma de anti-arte na qual a obra por si
mesma nada comunica do seu próprio significado e sentido, porque não foi feita para comunicar mas
para provocar. É, a arte conceitual, não um estilo de arte mas um estilo de desastre, pois toda obra
de arte que nada comunica de si mesma é uma obra de arte fracassada:
No entanto isso deve ser dito da arte conceitual, não do simbolismo. Algumas obras desse estilo são comunicativas e até belas. Como são também belas certas obras fauvistas, outra proposta de arte pela arte e que é o tema do próximo capítulo.
Enfim, na história da arte há uma transformação pela qual partindo da arte pela arte dos "simbolistas" chegamos na arte conceitual do século XX. Um ente que está em um estado em ato tem em potência o estado contrário. Assim a arte que estava em ato no estado de ser arte pela arte tinha em potência o ser arte conceitual. A História pertence a Física (e não a Matemática como quiseram alguns) e é tarefa do historiador da arte buscar descobrir quais foram os motores que fizeram a arte conceitual passar da potência ao ato.
Fontes:
1. O livro "A ciência da cruz" de Santa Edith Stein, que consiste em comentários explicativos dos escritos de
São João da Cruz. A edição usada foi a da Minha Biblioteca Católica.
2. Uma aula do Curso de filosofia do filósofo e professor Olavo de Carvalho em que o Professor tratando de
Platão menciona a teoria do símbolo de Suzanne K. Langer.
3. O 2o capítulo, intitulado "Universalismo cristão", da 2a parte da História da literatura ocidental de
Otto Maria Carpeuax, intitulada "O mundo cristão"
4. O breve ensaio de metafísica inserido no texto tem como base as teologias de Duns Scotus e de Plotino.
De Duns Scotus, que é um beato da Igreja Católica, tirei o uso do termo Ser Infinito para falar de Deus.
Preferi usar esse termo ao invés de simplesmente "o Ser" que seria usado por um seguidor de Santo
Tomás de Aquino porque julguei que esse termo "o Ser" poderia gerar confusão e que a especificação
"subsistente por si mesmo" mais complicaria as coisas para o leitor do que facilitaria. Porém, como
o termo ser infinito por si só não elimina toda confusão possível, acrescentei o termo Uno, tirado do
neoplatonismo, de Plotino. Não se trata de um infinito matemático já que esse não pode ser uno.
O aposto é colocado não para reforçar algo já dito mas para esclarecer.
5. A distinção potência-ato feita por Aristóteles e Santo Tomas de Aquino
5. Material colhido do Google
6. Imagens tiradas do Google Imagens e da Wikipedia
Capítulo XVIII: A pintura fauvista
Apresentação
O capítulo abaixo se divide em 3 partes. A primeira trata do fauvismo em si mesmo, e nela exponho algumas
obras fauvistas. A segunda trata do significado histórico da arte fauvista. Na 3a, partindo da mesma
interpretação desse significado histórico, faço a transição para o tema do próximo capítulo. Boa leitura.
O fauvismo como arte pela arte. A função da cor nas obras fauvistas
Havia dito no último capítulo que o fauvismo, assim como o simbolismo, é uma forma de arte pela arte.
Chamo arte pela arte os estilos em que as obras são comunicativas por si mesmas, não obstante o estudo dos
títulos das obras e das biografias dos compositores (e outros estudos) possam aprofundar e aperfeiçoar o nosso
conhecimento do que é comunicado nelas.
O fauvismo é arte pela arte não por ser uma arte desligada da vida mas por ser uma forma de anti-intelectualismo,
ou melhor de anti-criticismo em arte. Parece ser o avesso da arte crítica. Parece mesmo que os pintores fauvistas
não queriam criticar nada, que viam a pintura como passatempo, como terapia na qual, para o bem da saúde
mental, se permite uma saudável liberdade:
(uma pintura da série chamada "Os jardins de Luxemburgo". Obra de Henri Matisse)
(Paisagem de outono, obra de Maurice Vlaminck)
(Paisagem, obra de André Derain)
Paisagem com igreja, obra de Robert Deborne
Pintura de um porto, obra da fase fauvista de Georges Braque
Olhando para as pinturas acima o que primeiro nos chama atenção é o uso das cores. É fácil perceber que
esses pintores entendiam de harmonia de cores, de harmonia cromática. Porém essa liberdade no uso da
cor é impossível sem a perfeição da representação independente da cor. Isso não quer dizer que a pintura
fauvista é desenho colorido, que a cor só serve nela para embelezar. Muito pelo contrário, nesse estilo as
obras são ordenadas segundo as leis da harmonia cromática. A lógica de cada obra é a lógica das cores.
II Significado histórico do fauvismo
Surgido após o impressionismo, o fauvismo, assim como o pós-impressionismo e o simbolismo, é uma
afirmação do direito de manifestação da subjetividade. Uma revolta não contra a objetividade do objetivo
mas contra a exigência de representar (e apenas representar) o mundo objetivo tal como é. O nome, dado
por um crítico francês conservador chamado Louis Vauxcelles, pode ser traduzido como "ao modo das feras"
(fauve quer dizer fera em francês).
Era um apelido pejorativo. Vauxcelles era admirador de Donatello, o escultor:
(São João Evangelista, obra de Donatello)
seu gosto era pela arte clássica, e por isso não nos deve espantar o juízo negativo que fez do estilo fauvista.
Para ele o fauvismo era uma subversão. No entanto, esse crítico conservador não percebeu no fauvismo
o paradoxo de um conservadorismo subversivo.
Pois a pintura fauvista lembra a arte naif, que é uma espécie de arte popular, verdadeiramente popular e,
portanto, conservadora:
(A procissão, obra de Mirko Virius)
Festa no Jardim, de Vera Hendrychová
mas também parece com pintura feita por criança. Parece que pintores como Matisse, Derain, Vlaminck e outros
souberam imitar a pintura infantil usando para isso técnica de adulto. Enquanto Vauxcelles defendia o retorno ao
clássico os fauvistas queriam preservar, conservar, a criança que existe em todo adulto e que, como dizia
Bernanos, é o juiz do adulto no qual se tornou:
"O mundo será julgado pelas crianças. O espírito da infância julgará o mundo" (Georges Bernanos)
Conclusão. Passagem para o expressionismo
O fauvismo só é anti-conservadorismo no pensamento de historiadores da Esquerda que julgam que ser
conservador é manter o que chamam de "status quo". Mas o "status quo" de então era um afastamento
do espírito da infância que é o juiz do adulto. O fauvismo simplesmente recuperou e conservou esse
espírito através da pintura. É um conservadorismo, um desses conservadorismos que aparecem de
tempos em tempos para fazer o ser humano se reencontrar consigo mesmo. Se ele não o faz acaba
se tornando como um personagem de uma obra expressionista. O expressionismo será então,
(se Deus quiser), o tema do próximo capítulo.
Fontes;
1. História da arte, livro de E.H Gombrich
2. Aulas dos cursos de pintura do professor Rafael Pita: https://rafaelpita.com.br/inscricoes/
3 "A glória silenciosa de Bernanos", texto incluído no livro "A dialética simbólica: estudos reunidos", do
professor Olavo de Carvalho. Edição de 2007
4. Outras informações e as imagens foram colhidas em pesquisa no google
Capítulo XIX: Expressionismo alemão, cubismo e dadaísmo
Introdução
Esse capítulo trata apenas de uma espécie de expressionismo, o alemão, que chamei também de expressionismo
figurativo tardio. Trato também muito brevemente do cubismo e do dadaísmo e, no final, faço a passagem para
um dos temas do próximo capitulo, que é o futurismo. Esses 4 estilos são vistos aqui em sua relação com a
situação geral de então: o fim de uma civilização e a Grande Guerra de 1914-1918 como um evento apocalíptico
que fez desaparecer uma civilização e aparecer outra. Não é um tratado nem mesmo uma introdução geral, mas
apenas um convite para o estudo do tema. Boa leitura.
Breve definição do expressionismo:
Numa definição simplista expressionismo em história e teoria da arte é todo estilo na qual o tema, seja objetivo,
seja subjetivo, é um pretexto para o artista expressar-se, não por meio do tema, mas da forma, que não é
imitação de uma forma existente na natureza mas invenção do pintor. Há mais de uma espécie de
expressionismo e uma delas é o expressionismo alemão, assim chamado porque começou na
Alemanha embora tenha se expandido mesmo para além da Europa. É desse expressionismo
que trata esse brevíssimo capítulo. Também trata do cubismo, e isso brevemente e por contraste,
do dadaísmo e do futurismo.
I
Não foi, o expressionismo alemão, o primeiro aparecimento de uma arte expressionista, mas uma das fases de
algo que podemos chamar de reação expressionista anti-impressionismo. Reação a favor da subjetividade na
pintura, não só nos temas, mas também na forma, e que começa com os autores que os livros de história da arte
chamam de pós-impressionistas.
Quanto ao expressionismo alemão, que também podemos chamar de expressionismo figurativo tardio, é um
expressionismo em que o artista busca mais a intensidade, a força da expressão, do que a clareza da forma.
Essa clareza é menor ou maior dependendo da intenção expressiva do artista mas sempre está a serviço da
expressão através da forma:
(Mar de outono, obra de Emil Nolde)
O grito, de Edvard Munch
Os grande cavalos azuis, de Franz Marc
Os retirantes, obra de Cândido Portinari
Por colocar a força da expressão acima da clareza da forma é um estilo próximo do romantismo barroco de
William Turner e se distingue dos expressionismos anteriores porque nesses expressionismos há,
comparativamente, maior preocupação com a clareza da forma. No entanto esses expressionismos têm
algo em comum, uma essência comum, que permite considera-los espécies do mesmo gênero. Nele o artista
usa a forma como modo de expressão pessoal. Bem diferente é a proposta dos representantes do cubismo,
surgido 3 anos antes do expressionismo alemão, em 1907:
Menina com bandolim, obra cubista de Pablo Picasso
Nesse estilo o artista pretende fazer da arte ciência. Buscando assim dar a pintura um rigor e uma clareza
científicos o que consegue obter é a deformidade:
Guernica, obra de Picasso
III
Também no expressionismo figurativo encontramos a deformidade. Mas aí a deformidade é um modo de
expressar momentos de pensamento gnóstico ou aspectos gnósticos do psiquismo.
O gnosticismo é uma visão negativa da realidade e uma revolta contra ela. Enquanto a pessoa religiosa
percebe que há o Bem por trás das aparências a pessoa gnóstica ou de mentalidade revolucionária pensa
que há o Mal por trás das aparências. O gnosticismo está presente no expressionismo alemão sem,
contudo, ser uma regra muito menos um princípio. Quer dizer, nem toda pintura do expressionismo
alemão é gnóstica e mesmo quando é, é um gnosticismo com esperança de se reconciliar com a Realidade:
Nessa obra de Edvard Munch uma pessoa grita. Grita angustiada esperando uma resposta.
Espera uma resposta porque ainda lhe resta esperança de se reconciliar com a Existência.
Em algumas obras o artista expressa essa reconciliação como sonho:
Paisagem com 3 árvores. Obra de Otto Mueller
Paisagem com dunas, obra de Otto Mueller
Pode-se mesmo dizer que o que temos no expressionismo alemão é uma expressão do mundo dos sonhos.
Mundo fantasmagórico expressado por uma pintura fantasmagórica. Sonhos de transfiguração de uma
noite em um novo dia, como a música expressionista de Arnold Schoenberg:
Essa noite era o fim de uma civilização da qual os expressionistas souberam ver a angústia, a agonia, de quem pressente sua própria morte. Apenas 4 anos depois do aparecimento das primeiras obras desse expressionismo tardio iniciava-se a Primeira Guerra Mundial. Nos anos imediatamente anteriores a Grande Guerra, na primeira década do século passado, expressionismo alemão e cubismo representavam dois tipos psicológicos coletivos de então; o subjetivismo pessimista, mas de um pessimismo esperançoso, e a frieza cientificista. Correspondiam, esses 2 tipos, a duas atitudes, a dois comportamentos, perante a arte e a vida. Ao subjetivismo pessimista correspondia um comportamento conservador, de continuação da reação expressionista iniciada por Cézanne, Gauguin e Van Gogh. Era um subjetivismo gnóstico como todo subjetivismo mas esperançoso. No entanto, ao invés de se reconciliar com a realidade esse subjetivismo evoluiu em direção aquilo que Joseph Ratzinger chamou de "ditadura do relativismo":
Por sua vez, a frieza cientificista correspondia na arte a uma atitude retrógada de retorno a objetividade na
pintura. Quero dizer, segundo uma teoria exposta em um capítulo anterior, a pintura objetiva, objetivista,
não tinha desaparecido totalmente. Apenas aconteceu que com o cubismo retornou a superfície com uma
nova forma. Já na vida essa mesma frieza correspondia ao cientificismo que deseja e propõe uma sociedade
moldada pela tirania de uma falsa deusa que recebe o enganoso nome de "a Ciência". Quando já começara
a Guerra, um ano depois do seu início, surgiu uma outra tendência. uma tendência iconoclasta, que nem
quer prosseguir em um caminho nem retornar ao abandonado, mas que propõe a anarquia como caminho.
É o dadaísmo:
A Monalisa de bigode, obra de Marcel Duchamp
Esses 3 estilos, dadaísmo, expressionismo alemão e cubismo são os correspondentes
na história da arte de 3 tipos psicológicos; o iconoclasta, o conservador pessimista porém esperançoso,
e o retrógado. São tendências artísticas que, talvez, aparecem em todo fim de uma civilização. Não
podemos esquecer porém de um outro tipo psicológico, que se manifestou em outro estilo de arte, surgido,
como o cubismo e o expressionismo alemão, pouco antes da Guerra. É o revolucionário sonhador ou mesmo
utopista que antes, durante e depois da Guerra de 1914-1918 se manifestou numa forma de arte chamada
futurismo, um dos temas do próximo capítulo.
Notas e fontes
1. Sobre a relação entre a linguagem do cubismo e a linguagem científica ver um trecho de uma aula do
professor Olavo de Carvalho que está disponível no youtube com o título de "Arte abstrata, cubismo e a
confusão mental contemporânea":
2. Sendo o objeto desse livro as obras de pintura artística e não as vidas dos artistas as fontes primárias
(ou fontes de época) usadas foram as próprias obras das quais nos dias de hoje é muito fácil encontrar
cópias na Internet. Para interpretá-las usei a teoria da arte como testemunho tirada por indução do livro
"História da música" de Otto Maria Carpeaux e da teoria literária do filósofo e professor Olavo de Carvalho.
Por sua vez essa teoria é apoiada pelo método filosófico agostiniano chamado método da confissão
(sobre isso ver uma parte de uma aula do professor Olavo de Carvalho que está disponível no youtube com o
título de "Confissões de Santo Agostinho e o conhecimento de si":
porque a confissão como método deve vir antes da teoria e servir de apoio a essa e não o inverso,
para que a teoria não seja desacordada com a realidade. Assim a teoria de que a arte é testemunho e que
toda obra de arte pode ser interpretada como testemunho vem do exercício do método da confissão e é apoiada
e confirmada pelo mesmo.
3. A oposição que coloco entre o tipo humano religioso e o tipo gnóstico foi tirada da leitura da obra
"Contra as heresias" de Santo Irineu de Lyon.
4. Por fim, além da teologia de Santo Irineu, da filosofia e teologia de Santo Agostinho, da filosofia do
professor Olavo de Carvalho, da crítica musical de Otto Maria Carpeaux e da Internet servi-me também do
livro "História da arte" de E.H Gombrich, especialmente no que toca a aproximação do estilo de Van Gogh
com o expressionismo alemão.
Capítulo XX: Futurismo e surrealismo: quando a ciência e a ficção se encontram
Introdução:
O capítulo a seguir começa retornando a um dos temas do capítulo passado: a 1a Guerra Mundial como causa do
fim de uma civilização e início de outra. Como signo dessa nova civilização coloco a Sociedade das Nações ou
Liga das Nações, fundada em 1919, a qual vejo como uma antecessora da ONU e de tendência relativista. Do
relativismo vou para a teoria da relatividade de Einstein, mais particularmente para a teoria do espaço-tempo,
a qual vejo como ficção científica que alimentou a ficção científica. A partir daí chego no tema da pintura
futurista, um dos estilos de pintura de que quis tratar nesse capítulo. Depois contraponho essa ficção científica
com outra, a saber, a do subconsciente como princípio mais principal do comportamento humano. Daí
relaciono a psicanálise com a pintura surrealista surgida no começo da década de 20 do século passado e
mostro que os artistas surrealistas não formaram um partido de vanguarda porque tinham referenciais teóricos
divergentes. Finalmente chego, pelo tema das divergências de referencial teórico entre os surrealistas, a
declaração do tema do próximo capítulo.
1. Mentalidade e imaginário de uma civilização
Fora dito no último capítulo que a 1a Guerra Mundial significou o fim de uma civilização e o início de outra.
Essa nova civilização, o seu caráter, está expresso na proposta diplomática dos países vencedores ao
fundarem, em 28 de junho de 1919, a instituição chamada Liga das Nações ou Sociedade das Nações.
Tal instituição surgiu na temporalidade humana como um simulacro e substituto da Igreja Católica e, diferente
do original, tinha tendência relativista, tal como sua sucessora, a Organização das Nações Unidas (ONU) .
Tendia para o relativismo cultural, portanto para o relativismo moral. Ora, é fácil fazer a banal associação
do relativismo com a teoria da relatividade de Einstein. Mas a verdade é que essa teoria cujas duas versões,
Estrita e Geral, foram elaboradas antes e durante a 1a Guerra, é posterior a ideologia relativista. Não lhe
serviu, portanto, como pressuposto, mas lhe serviu, e ainda lhe serve, como justificativa ou fundamentação a
posteriori.
Aliás, é preciso distinguir a relatividade e a teoria de Einstein. Quanto a relatividade em si mesma, é um fato,
não há o que discutir. O que pode ser discutido é a explicação de Einstein para o fato pela utilização de idéias
como a de que a velocidade da luz no vácuo é insuperável, que o espaço e o tempo não são realmente separados
mas constituem uma só realidade chamada espaço-tempo(...).
Essa última idéia ou teoria é de especial interesse para nós. Ver o tempo como espaço não nos é estranho.
Usamos em nossa linguagem a expressão metafórica "espaço de tempo". Porém espaço-tempo como
conceito científico não faz sentido. Espaço-tempo é uma expressão que só faz sentido se a interpretarmos não
como conceito científico mas como um metonímia, como figura de linguagem, na qual a causa (o espaço) é
identificada com o efeito (o tempo).
Ora temos aí, nessa figura de linguagem que é o espaço-tempo, uma ficção científica na qual o espaço é tempo.
Generalizada e tomada como conceito científico leva a identificação de todo efeito com sua causa, portanto ao
panteísmo e, por consequência, ao relativismo total. No que diz respeito a ordem do tempo tal figura, se tomada
como conceito científico, leva a pensar que distâncias no espaço são também distâncias no tempo. Usando nossa
imaginação, se imaginarmos uma galáxia situada a milhões de anos-luz da Terra e se com a faculdade da fantasia
imaginarmos que essa galáxia é habitada, chegaremos então a conclusão que os habitantes dessa galáxia vivem em
um futuro muito distante do nosso tempo e que, se viajarmos para essa galáxia quando voltarmos para a Terra
milhões de anos terão passado aqui. Temos aí um problema que deve ser colocado, do qual não podemos fugir:
existe ou não existe um tempo único para todo o Universo? A tendência da física moderna parece ser, pelo menos
desde Henri Poincaré (1854-1912), o precursor de Einstein, pela resposta negativa. Pela afirmação da relatividade
do tempo. Faz sentido se vermos o Universo como uma grande polifonia, uma grande sinfonia. Porém, numa
polifonia as "vozes" ou planos não têm o mesmo ritmo mas podem ter o mesmo compasso ou métrica, conforme
podemos ver pelo exemplo a seguir:
2. Ilustração musical da relatividade do tempo
Nota: Acima temos a partitura de uma tocata que compus e escrevi. Nela as "vozes" ou planos tocam na mesma
métrica mas não com o mesmo ritmo. Para quem souber partitura (ou quiser aprender) e não tiver nada melhor
para fazer segue algumas instruções para a execução/interpretação da "peça":
1. O que temos nessa "partitura" é apenas a forma do ritmo da música e algumas outras breves indicações. Foi
composta e escrita de acordo com o método das "formas abertas" usada por certos compositores eruditos modernos.
2. A divisão dos tempos nos compassos não é binária, mas ternária. Por isso uma semibreve ao invés de valer 2
mínimas vale 3. Não é uma invenção minha, mas um retorno a uma prática anterior ao século 14 (XIV).
3. É bom tocar a mínima do 1o compasso como se houvesse uma fermata
4. Quanto as repetições indicadas por 2 pontos (ritornellos), repete-se o 2o e o 3o compassos e depois todos os 3
.
5. Na fuga a figura rítmica repetida sempre uma quinta abaixo representa a reapresentação do tema duas vezes
totalizando 3 entradas (fuga a 3 vozes). O tema deve ser inventado pelo intérprete de acordo com o ritmo e
usando uma das escalas sugeridas (ver número 6)
6. Para melodia e polifonia tem-se a opção de usar as escalas de ré menor natural, ré menor harmônico, ré menor
melódico comum, ré menor melódico bachiano e ré menor dórico e os campos harmônicos correspondentes.
Podem ser combinados 2 ou mais desses campos e escalas.
7. A letra X indica uma incógnita. Indica um desenvolvimento ou variação possível que deve ser descoberto pelo
intérprete.
3. Continuação do mesmo
E mesmo que não tenham a mesma métrica ou compasso pode haver uma relação aritmética que unifica
as métricas.
Acima temos uma página de partitura contendo apenas a estrutura rítmica de outra música que compus e escrevi.
Nessa partitura temos duas métricas diferentes ao mesmo tempo. Um plano toca em 4/27 (4/8 em divisão binária)
e o outro em 6/27. Somando as duas métricas teremos a métrica geral percebida na audição em cada segmento de
música: 10/27 ou, em divisão binária, 10/8). Desnecessário dizer que também isso de tocar em 2 compassos
diversos ao mesmo tempo não é invenção minha.
4. A teoria do espaço-tempo e o futurismo
Seja qual for a resposta para aquela questão (se há ou não um tempo único para todo o Universo) a verdade é que
a "teoria" do espaço-tempo alimentou e ainda alimenta a ficção científica. Se tornou a inspiração para todas as
obras de ficção científica nas quais o futuro é visto como algo que já está acontecendo em outro plano, em outra
"dimensão", enquanto vivemos nosso presente. E ver o futuro como algo presente, trazer futuros possíveis para
o presente através da fantasia é, essa mesma, a proposta da pintura futurista:
A teoria do espaço-tempo possibilitou uma variedade de hipóteses pseudocientíficas, como por exemplo, a da
existência de muitos universos (teoria do multiversos. Ver a nota explicativa no fim do capítulo) . Uma vez aceito
como teoria científica o espaço-tempo possibilitou pensar na existência de realidades paralelas, cada uma com
sua temporalidade, com seu ritmo:
5. Psicanálise e surrealismo
Se a ficção científica do espaço-tempo possibilitou pensar em realidades paralelas no espaço físico uma outra
ficção científica possibilitou pensar em realidades paralelas no espaço psíquico. Os psicanalistas não estavam
e não estão errados ao falar da existência de um subconsciente, de um depósito de pensamentos não percebidos
ou não admitidos, nem em supor que no sonho acontece a inclinação do consciente em direção ao subconsciente.
Mas erraram em não perceber que há um princípio mais principal que a consciência e também que a subconsciência,
princípio que faz o consciente se inclinar para o subconsciente e ser afetado por esse. Na realidade, a psicanálise
só pode ser científica admitindo que como ciência depende de princípios de uma outra ciência (ver nota explicativa
no final do capítulo).
Essas contradições da teoria psicanalítica não passaram desapercebidas para um grupo de pintores que receberam
dos historiadores o nome de surrealistas conforme eles mesmos se batizaram. Parece que o estilo começou na
literatura, na poesia, com a proposta do uso do automatismo na escrita: escrever o que vem à mente, sem se
preocupar com regras:
Ó santos e santas de Deus Altíssimo
dignai-vos ouvir nossas preces
porquê cá embaixo tá tudo ferido
Tá tudo triste, feio e sem cor,
maculado por quantos disparates
do gênero humano mal-agradecido
Que mais que Aquele que vós
mais amais fez pela natureza
humana imaginar não pode
inteligência criada, mas
fica calada, quieta, estupefata
com a Divina Luz do Amor
que move o Sol e as estrelas,
move todo o existente, em Si
o prendendo e libertando
para que nessa prisão libertadora
tenha a vida, o ser e o movimento
que o Motor Primeiro concede
a todo criado; que só da divina
misericórdia vive. Pois somente
ela pode tirar o que não é
da prisão do não-ser
(poesia escrita usando o método surrealista da associação automática. De autoria própria)
Se foi assim que começou o surrealismo em pintura, então a pintura surrealista surgiu de uma adaptação: Na
poesia surrealista o poeta expressa o subconsciente. Por que não poderia haver uma pintura assim? E realmente,
os pintores surrealistas pretenderam e pretendem, por meio de certas técnicas, expressar o subconsciente, seja
para o bem, seja para o mal. É uma arte inspirada na psicanálise. Porém os surrealistas não formaram um grupo
partidário, um partido de vanguarda. Escolas de psicanálise divergem entre si e porquê os surrealistas não seguem
todos a mesma escola resulta que essas divergências acabam se refletindo em suas obras. Assim, por exemplo,
Salvador Dali:
o mais conhecido e notável dos pintores surrealistas parece ser um adepto da escola psicanalítica de Igor Caruso
(ver nota no final do capítulo)
"A persistência da memória", obra de Salvador Dalí. Na teoria psicanalítica
de Caruso não é a repressão dos desejos sexuais que causa neuroses mas a repressão da consciência
moral a qual persiste mesmo sendo reprimida porque a memória persiste.
Max Ernst da escola junguiana:
Paisagem com lagos e quimeras
René Magritte do freudismo:
6. Passagem para a pintura modernista brasileira
Não existia unidade de referencial teórico entre os surrealistas. Não podem eles serem vistos, portanto,
simplesmente, como um partido de vanguarda ou modernismo artístico contra todo conservadorismo. Se
o estilo de todos eles é em si mesmo subversivo dentro da história da pintura disso não se pode concluir que
fossem todos subversivos em tudo o mais. É possível sê-lo na arte mas não na vida e é o caso de Salvador
Dali, que era católico-romano e politicamente conservador. Além disso, é necessário distinguir o
conservadorismo acadêmico e o conservadorismo popular ou folclórico. É possível que uma atitude
subversiva com relação a um conservadorismo acadêmico esteja ligada a outro conservadorismo, do
tipo popular e nacionalista, ao menos declaradamente e aparentemente. É o caso da pintura modernista
brasileira manifesta na exposição de 1922 que ficou conhecida como a Semana da Arte Moderna, tema do
próximo capítulo .
Notas:
1. Sobre a questão de se há muitos universos ou apenas 1 escreveu Santo Tomás de Aquino em sua Suma
Teológica: "
A ordem existente nas coisas criadas por Deus manifesta a unidade do universo. Pois, se diz que há um só universo pela
unidade da ordem, segundo a qual uns seres se ordenam a outros. Porque todos os seres criados por Deus mantêm entre si
e para com Ele uma ordem, como já antes se demonstrou. Por onde, é necessário que todas as coisas pertençam a um só
universo."
2. Sobre se a psicanálise é ou não uma ciência:
"há dois gêneros de ciências. Umas partem de princípios conhecidos à luz natural do intelecto, como a aritmética, a
geometria e semelhantes. Outras provém de princípios conhecidos por ciência superior; como a perspectiva, de
princípios explicados na geometria, e a música, de princípios aritméticos." (extraído da Suma Teológica de Santo
Tomás de Aquino). Logo, a psicanálise, se é uma ciência, é uma dessas ciências cujos princípios vêm de alguma
ciência superior a ela.
3. Sobre a teoria psicanalítica de Igor Caruso disse Olavo de Carvalho:
"Todas as neuroses, dizia Igor Caruso, são produzidas pela repressão da consciência moral, da voz interior que
nos indica o sentido profundo de nossas escolhas e a lógica implacável de suas conseqüências. Ver texto
completo em: (https://olavodecarvalho.org/brincar-de-genocidio/):
Fontes: Imagens, textos, aúdios e uma memória.
Capítulo XXI: A pintura modernista no Brasil
Introdução
O capítulo a seguir, a respeito da pintura modernista no Brasil, é uma continuação do que foi dito no final do
capítulo anterior e também prepara o leitor para o próximo e último capítulo. Boa leitura.
1. Modernismo conservador
Havia dito no último texto que uma atitude subversiva com relação a um conservadorismo acadêmico
pode estar ligado a um conservadorismo popular. Encontramos essa atitude na pintura modernista brasileira:
A ressurreição de Lázaro, obra de Fulvio Pennacchi
(São Francisco de Assis, obra do mesmo autor)
A última ceia, também do mesmo autor
A composição total das obras acima e o aspecto das figuras lembram Cézanne e Gauguin, mas os temas, sendo
cristãos (2 fatos narrados na Bíblia e um momento da vida de um santo) são de um autêntico conservadorismo
popular brasileiro. Em outras obras o autor pintou aqueles elementos formais da vida brasileira que são o elo
de ligação entre o Brasil e a Europa medieval da época da Cristandade:
Aldeia com festa junina
O Brasil nunca deixou de ser a Terra de Santa Cruz. No seu sentido literal a palavra Brasil não faz parte de nossa
linguagem cotidiana. Usamo-la para falar de um território mas, mais que um território, de uma composição
sociológica, concebida espiritualmente e moralmente a partir do cristianismo, culturalmente a partir da fusão
de formas substanciais de várias culturas, antropologicamente por uma saudável miscigenação e,
geograficamente, a partir do mar. Era natural então que na pintura brasileira ligada ao conservadorismo popular
aparecesse como tema os temas marítimos.
Aldeia a beira-mar, obra de Fulvio Pennacchi
(Casas à beira-mar, obra de José Pancetti)
Farol da barra, do mesmo autor
Ilha do Viana, também de José Pancetti
Itapoã, do mesmo autor
É um modernismo conservador. Modernismo porque o estilo descende do pós-impressionismo, conservador
porque é uma arte que testemunha algumas das raízes do Brasil. Não é, porém, totalmente modernista na
técnica e no método. Encontramos nessas obras os elementos clássicos da composição pictórica: o ponto de fuga,
o ponto focal, as linhas de fuga, as linhas mestras que dirigem o olhar do espectador para o ponto focal.
Método clássico de composição geral da obra harmonizado com método "modernista" de representação de figuras.
A Semana Modernista de 1922
Essa tentativa de harmonizar cultura nacional, técnica moderna e método clássico parece ser um caso análogo
a música de Heitor Villa-Lobos, um dos artistas envolvidos na que ficou conhecida como Semana da Arte
Moderna de 1922:
Dentre os pintores, os mais destacados a participarem do evento foram Di Cavalcanti (1897-1976), Tarsila do
Amaral (1886-1973) e Anita Malfatti (1889-1964).
A arte de Di Cavalcanti, seu estilo, parece ser devedora do estilo pós-impressionista de Gauguin e do
expressionismo alemão:
Samba, obra de Di Cavalcanti
Cinco moças de Guaratinguetá
Mas, se o estilo é estrangeiro, os temas são daqui, representados com um colorido exuberante que é a
principal qualidade de sua obra:
Já na obra de Anita Malfatti às vezes vemos formas que parecem tiradas do expressionismo alemão e em
outras formas que parecem terem sido tiradas de Van Gogh:
em especial o colorido e a pincelada lembram Van Gogh. É tão exuberante como nas pinturas de Di Cavalcanti,
mas mais marcado, mais forte, harmonizando-se com a figuração turbulenta dos objetos. É uma herdeira
daquilo que chamei outrora de romantismo barroco.
Enfim, quis deixar por último Tarsila Amaral porque é um caso problemático. Iniciada no litoral essa
composição sociológica (e antropológica) chamada Brasil depois se estendeu para o interior, cada vez
mais, até chegar nos sertões. Uma grande obra da historiografia como a "História do Rio Grande do
Sul dos 2 primeiros séculos", em 3 volumes, do padre jesuíta Carlos Teschauer, embora circunscrita
no espaço a uma parte do que hoje é o território do Brasil aponta para o desafio que os missionários
cristãos tiveram que enfrentar em toda a Terra de Santa Cruz, de re-humanizar, convertendo para
Cristo, selvagens antropófagos. O Brasil de antes da chegada de Pedro Álvares Cabral não era um
paraíso e chamar "Antropofagia" uma certa atitude no reino das artes é simplesmente um apelido infeliz.
É com esse infeliz apelido que a historiografia conservadora, escolar, chama a proposta artística da
arte modernista no Brasil. O nome, porém, não foi dado a posteriori, pelos historiadores. Encontramo-lo
num manifesto escrito por Oswald de Andrade (1890-1954), mentor da atitude:
"Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei
do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos.
De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. Só me interessa o que não é
meu. Lei do homem. Lei do antropófago."
Os defensores do "Movimento antropofágico" irão dizer que é só figura de linguagem
e preferirão ver no autor do presente texto incapacidade para leitura. Sim, é só uma
figura de linguagem, uma das mais infelizes já usadas. Resta-nos perguntar se pelo
menos nas obras artísticas os antropofagistas foram mais felizes.
No caso de Tarsila é preciso reconhecer seu inegável talento na pintura sacra como podemos ver nessas duas belas
representação do Sagrado Coração de Jesus:
A partir daí podemos ver que a fealdade de outras obras suas:
não tem como causa a inabilidade. É preciso, na avaliação das obras artísticas, não tomar escolhas estéticas
como inabilidade técnica ou falta de talento. Durante séculos os pintores, os artistas visuais em geral, e mesmo
os músicos trabalharam por encomenda, compondo suas obras não (necessariamente) segundo seu gosto mas
segundo o gosto de seus clientes. Não pintavam, esculpiam, arquitetavam, compunham, etc, para agradar a
si mesmos mas a outros. O artista era visto como alguém que trabalhava para aliviar a dor do outro e que por
isso mesmo devia fazê-lo com bom humor como diz São Paulo Apóstolo em Romanos, capítulo 12, versículo 8.
Ás vezes esse aliviar a dor do outro significa fazer da arte uma forma de exorcismo. A aparência da obra feita
com essa intenção pode não ser bela, mas a própria obra está cumprindo a função da arte e o artista a sua função.
Quanto mais forte é a catarse que a obra provoca tão mais bem feita ela é tão mais competente é o artista que a fez.
E isso nada tem a ver com o gosto do artista. Não é esse gosto que dá a obra forte ou fraco poder catártico. É a
inteligência. E a inteligência pode dizer para o artista que a catarse necessita da fealdade para ser provocada.
É o caso, por exemplo, de uma obra musical estreada em 29 de maio de 1913, a "Sagração da Primavera"
de Stravinsky, na qual a mais engenhosa técnica (de composição musical) produziu uma música bárbara,
horrenda, ilustração musical profética de uma época na qual a técnica foi colocada a serviço da barbárie:
O problema da estética na pintura moderna
Enfim, tendo discorrido brevemente sobre o problema da estética na arte em geral creio ser adequado discorrer
sobre o problema da estética na pintura moderna. Mas isso só no próximo e último capítulo cujo tema é
o modernismo e o pós-modernismo na pintura.
Fontes:
- memórias de leituras
- Google imagens
- O movimento antropofágico, texto de Daniela Diana, professora licenciada em letras, disponível em:
https://www.todamateria.com.br/movimento-antropofagico/
- História do Rio Grande do Sul dos 2 1os séculos, 3 volumes, Pe. Carlos (S.J.), Editora Unisinos,
ano de 2002; 1a edição, ano de 1918.
- especial agradecimento para a Letícia Martins, talentosa artista de Florianópolis, que revelou à mim as obras de José Pancetti (1902-1958) e Fulvio Pennacchi (1905-1992), conhecimento esse sem o qual esse texto não poderia ter sido escrito.
Capítulo XXII: Modernismo e pós-modernismo na pintura ocidental: um retorno as origens
Na história da arte o surgimento de um novo estilo não quer dizer o desaparecimento do anterior. Para o leitor ter
uma ideia, na década de 1920, do século passado quando o impressionismo já havia saído há muito de moda, Monet
continuava vivo e trabalhando, pintando suas obras impressionistas:
No Brasil pintores como Aldo Locatelli e Pedro Weingartner continuarem trabalhando em um estilo antigo, anterior
ao impressionismo e ao pós-impressionismo:
A coroação da Virgem, Catedral de Santa Maria (RS), obra de Aldo Locatelli
O Juízo Final, Igreja de São Pelegrino, Caxias do Sul, também de Aldo Locatelli
Paisagem, obra de Pedro Weingartner
Tecelãs, do mesmo autor
No entanto pode-se dizer que o século XX apresentou uma ruptura com os anteriores. É que a partir do cubismo,
estilo surgido antes da 1a Guerra Mundial, houve um retorno da pintura ocidental ao abstracionismo.
Não foi uma inovação mas um retorno a um passado muito longínquo. Por muitos séculos a pintura ocidental foi
uma pintura predominantemente figurativa. Para encontrarmos pintura puramente abstrata no Ocidente temos que
voltar no Tempo para uma época em que o mundo era mais de 1000 anos mais novo. Encontramo-la em páginas de
evangeliários do período que dependendo do ponto de vista do historiador é a Antiguidade Tardia ou a 1a fase da
Idade Média:
Evangeliário de Lindsfarne, cerca de 698 d.C
Evangeliário de Lindau,
Olhando essas capas de livros não temos mais dúvidas que a arte abstrata pode ser bela. O problema é que sua beleza não é temática. A beleza da pintura abstrata de todos os povos está na forma, não no tema:
Exemplo de arte abstrata budista tibetana
Cerâmica indígena da etnia marajoara
Cerâmica indígena da etnia kadiwéu
Cerâmica indígena da etnia waurá
Exemplo da arte de tapeçaria africana. Originária do Zimbábue
Idem. Originário do Mali
Exemplo da arte geométrica islâmica
Tapete persa, outro exemplo da arte geométrica islâmica
Exemplo de arte abstrata judaica
Outro exemplo de arte abstrata judaica
Também arte judaica. Representação da estrela de Davi
Exemplo de arte abstrata cristã, o Grande Evangeliário de São Columba (século 8 d.C) Não é totalmente abstrato mas combina arte abstrata e arte figurativa.
Outro exemplo de arte abstrata cristã. Uma cruz bizantina
Mosaico bizantino. Outro exemplo de arte abstrata cristã
Ora, a forma (geométrica) não é encontrada diretamente na mente do artista mas antes em alguma coisa externa à
elae abstraída, as vezes por analogia, como acontece no abstracionismo lírico, estilo que procura trazer qualidades da
música para a pintura:
Nublado, obra de Wassily Kandinsky
1o movimento. Também de Kandinsky
e em outras por abstração simples, como acontece no abstracionismo geométrico:
Obra de Piet Mondrian (1872-1944)
Algum conhecimento de geometria e de harmonia cromática, ainda que instintivo,
é sempre necessário para pintura, seja essa abstrata ou figurativa, mas na pintura abstrata a geometria e o
cromatismo além de terem umafunção estrutural são também temas. É fácil cair na banalidade de associar o abstracionismo geométrico
com a arte modernista vendo essa como uma arte racional, objetiva, e o abstracionismo lírico com a arte
pós-modernista vendo essa como o oposto da arte modernista. No entanto uma obra de arte é, ensina-nos Santo
Isidoro de Sevilha em suas "Etimologias", a que é feita pela aplicação de certas regras e preceitos. Pela aplicação
do universal ao particular. Não há, portanto, arte totalmente irracional, pois aplicar o universal ao particular
é trabalho da razão. O que pode haver é um maior ou menor grau relativo de indeterminação na hora da execução
da obra. E a indeterminação, ao contrário do que se pode pensar, não leva ao caos mas à uma ordem que é
como a ordem natural e que não é incompatível com a livre decisão.
É o caso da arte de Jackson Pollock (1912-1956), principal representante do que ficou conhecido como
expressionismo abstrato:
One: Number 31
Convergence
Pode parecer que esse expressionismo não é outra coisa senão o abstracionismo lírico de que já falei antes. Mas o expressionismo abstrato parece ser mais conservador, podemos dizer, mais tradicionalista. Se parece mais com a arte abstrata antiga do que com o abstracionismo lírico. Os padrões nas obras de Pollock, que era um crente cristão. lembram os padrões daqueles evangeliários medievais:
e assim, o que nos parece inovação nos faz retornar ao acontecimento central do devir humano; ao advento de
Cristo, Nosso Senhor e Salvador. Com os olhos fixos no Senhor é chegada a hora de encerramos essa obra
sobre história da pintura, obra necessariamente incompleta, mas pela qual acompanhamos o desenvolvimento
da arte da pintura no Ocidente desde suas origens. Muita coisa ficou faltando, muitos nomes e obras ficaram
de fora. Não é mais que uma introdução, ou melhor, um convite para a pesquisa e o estudo. Queria eu ter
dedicado um espaço para a produção artística dos nossos dias, mas essa pertence ao tempo presente e crendo
que o trabalho do historiador só é possível quando uma geração passa e o que essa fez está cristalizado não
creio que possa haver uma história do tempo presente. A bibliografia colocada abaixo irá compensar,
assim espero, as lacunas dessa série.
Bibliografia recomendada
1. A 1a obra que recomendo chama-se "Vida dos melhores pintores, escultores e arquitetos", de Giorgio Vasari. É uma obra de um artista e historiador da arte contemporâneo do Renascimento italiano. Obra importantíssima, portanto, embora, é claro, desatualizada. A obra está disponível na Internet em italiano aqui: https://bepi1949.altervista.org/vasari/vasari00.htm e em inglês aqui: https://web.archive.org/web/20180731123757/http://www.gutenberg.org/ebooks/author/9769
2. A 2a, obra que foi muito mencionada nessa série, é a "História da arte", de Ernst Gombrich
3. A terceira indicação é o capítulo "As artes" do livro "Luz da Idade Média" da historiadora francesa Régine
Pernoud
4. A 4a, da mesma autora, é o livro "A mulher no tempo das catedrais"
5, O 5o, também da mesma autora, é o 1o capítulo de sua biografia de Santa Hildegarda de Bingen
6. Como fonte para o estudo da pintura nas civilizações antigas do Extremo Oriente, dos Orientes Médio e
Próximo e também da Grécia e Roma antigas usei o clássico "História da civilização" de Will Durant,
7. Enfim muita coisa teve como fonte memórias de leituras e não me recusei a usar o google e arquivos
encontrados no google como fonte. Procurei dizer mais a partir das pinturas mesmas do que a partir de
textos. Isso me obrigou a abandonar uma teoria inicial durante a elaboração dos textos afastando a obra
empreendida da pura retórica e a aproximando da dialética, que é o método mesmo das ciências.
Não gostaria de terminar esse livro sem mostrar algumas belas obras de excelentes pintores do século XX e
dessas primeiras 3 décadas do século XXI. A lista não é completa, mas significativa.
Paisagem da Catalunha, obra de Angel Bertran Montserrat, artista catalão (1922-1995)
No coração da floresta, obra de Antonín Hudecek, artista tcheco (1872-1941)
Blue gold n.1 (Ouro azul n.1), obra de Carla Sá Fernandes, nascida em 1971
Paisagem, obra de Claire Denarie-Soffietti, artista francesa nascida em 1923
Cinderella, obra de Elenore Abbott, artista norte-americana (1875-1935)
Tempestade ao entardecer, de Eric Aho, americano, nascido em 1966
Milagre, obra de Ganiyat Abdulazeez, artista nigeriana nascida em 1996
Sagrado Coração, obra de Henri Pinta, artista francês (1856-1944)
Festa do chá, obra de Hilda Fearon, artista inglesa (1878-1917)
Um espinho entre as rosas, James Sant, inglês (1820-1916)
Modo de lavar ouro, Manuel Maria Paz, colombiano (1820-1902)
Buquê de flores sobre um fundo vermelho, obra de Marc Chagall, (1887-1985).
São Jorge e o dragão, obra de Mário Henrique, artista português nascido em 1982
O nascer do sol em um rio, obra de Nga Tran, artista vietnamita nascida em 1988
Auto-retrato, obra de Piergiorgio Colautti, artista italiano nascido em 1934
Senhoras com macieira, de Tymofiy Boitchouk, ucraniano (1896-1922)
Palomas (Pombas), obra de Tomás Castano, artista espanhol nascido em 1953
A dama atrás da porta, obra de William Davis, artista norte-americano (1829-1920)
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